Os trabalhadores dos armazéns
da Amazon nos EUA têm o direito de pedir folgas não-remuneradas – mas a
quantidade é limitada, e dividida entre todos os empregados. Quando a empresa
libera folgas, elas rapidamente são reservadas pelos funcionários mais ágeis, e
os demais ficam sem. Agora, essa competição alcançou um novo nível. Empregados
da Amazon criaram bots, como o Auto Acceptor e o AutoVTO, que monitoram a
intranet da empresa – e clicam automaticamente nas folgas assim que estão
disponíveis. Basta deixar uma janela do navegador Chrome aberta, rodando o bot.
A tecnologia é similar à que cambistas usam para comprar ingressos de shows. (BG)
Esta é a
íntegra de uma notícia publicada na edição de junho de 2024 da revista SUPER Interessante.""Os
trabalhadores dos armazéns da Amazon nos EUA têm o direito de pedir folgas
não-remuneradas – mas a quantidade é limitada, e dividida entre todos os
empregados.", diz a notícia.
Ou seja, ter o direito à seja lá o que for é algo que significa
nada para os trabalhadores neste sinistro planeta, principalmente, para os explorados
por corporações que a cada dia tornam-se maiores. Maiores em termos de quantidade
de países em que atuam, do volume de recursos financeiros que possuem e,
principalmente, da subjugação cada vez maior dos trabalhadores às suas perversas
políticas voltadas exclusivamente para seus crescentes e exorbitantes lucros. "As
grandes corporações não se importam se você morrer.", diz uma frase
estampada em uma camiseta que comprei no site El Cabriton.
"Mas a quantidade é limitada, e dividida entre todos
os empregados.", diz a notícia, fazendo-me lembrar de uma indagação de Paulo
Roberto da Silva em seu livro intitulado "Economia, consciência e abundância: de
agentes econômicos de destruição a regeneradores da teia da vida":
"É possível sermos abundantes em uma economia que tem como base a
escassez?" Sim, em uma economia que tem como base a escassez, limitar a
quantidade do que nela é oferecido e estimular a competição entre as pessoas é
algo, simplesmente, imprescindível.
"Agora,
essa competição alcançou um novo nível.", diz
a notícia. Alcançar níveis de competição cada vez mais insanos, eis outra
característica da insana economia instalada neste planeta.
"Empregados
da Amazon criaram bots", diz a notícia. "O que é um bot?",
indago eu. Respondendo tal indagação, segue algo que encontrei em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bot.
"Diminutivo de robot, também conhecido como internet
bot ou web robot, bot é
uma aplicação de software concebido para simular ações humanas repetidas vezes
de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô. O seu uso mais frequente está
no Web crawler, em que um script realiza buscas automáticas, analisa
informações de arquivos e servidores em uma velocidade extremamente alta, muito
superior à capacidade humana."
"Uma aplicação de software concebido para simular
ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um
robô.", eis a descrição do que seja um bot.
O sinistro é que cada vez mais os ditos seres humanos tornam-se "similares"
aos robôs – praticam ações repetidas vezes de maneira padrão -, diferenciando-se
deles apenas pela velocidade com que praticam as ações.
E ao comparar robôs e seres humanos, o método das recordações
sucessivas leva-me a trazer para esta postagem a seguinte afirmação de Erich
Fromm (1900 – 1980), psicanalista, filósofo e sociólogo alemão: "O mal do
passado foi os homens se tornarem escravos. O perigo do futuro é que eles se
tornem robôs." O que era futuro para Erich Fromm chegou e, pior do que ele
imaginou, hoje, o ser humano tornou-se robô sem, de certa forma (ou seria de
errada forma?), ter deixado de ser escravo, tendo apenas trocado de senhor.
No dia 06 de
novembro de 2015, a empresa canadense BlackBerry
lançou nos Estados Unidos uma linha de smartphones e tablets a qual deu o nome
da própria empresa. Os smartphones BlackBerry possuíam um sistema operacional
próprio chamado BlackBerry OS e eram muito utilizados por empresas e seus
funcionários, pois eram considerados seguros.
O que o que é dito no parágrafo anterior tem a ver com esta postagem? O
fato de BlackBerry ser o nome do
grilhão usado, nos Estados Unidos, para atar os pés dos negros como forma de
impedir sua fuga, durante o período da escravidão, o que leva-me a fazer uma
associação ao que é dito no final do segundo parágrafo acima. O tempo passou e,
se em um passado remoto os escravos eram mantidos presos pelos pés, há algum
tempo eles passaram a ser presos por outra parte do corpo. Com a invenção do
smartphone, os escravos deixaram de ser mantidos presos pelos pés, e passaram a
ser pelas mãos. Uma coisa que impressiona-me na história da BlackBerry é a desfaçatez na escolha do
nome da empresa e do seu produto. Afinal ao dar a ele tal nome o que ela faz é assumir
que seu produto é algo que possibilita manter as pessoas escravizadas.
Escravizadas de uma nova forma, mas escravizadas, tendo apenas trocado de senhor.
Ao ler que "A tecnologia é similar à que cambistas usam para
comprar ingressos de shows.", vem-me à mente a seguinte
indagação: Será que ao usar uma tecnologia similar à que cambistas usam os
empregados dessa sinistra empresa não acabam tornando-se similares aos
cambistas? Ou seja, passam a "adquirir"
folgas não-remuneradas com a intenção de conseguir remuneração por meio da venda
de algo cuja quantidade é limitada ou, em outras palavras, insuficiente para
atender a todos os empregados?
E ao ler
esta notícia na revista SUPER
Interessante, me veio à mente um
livro intitulado Amazon: Trabalhadores e
Robôs. De autoria de Alessandro Delfanti, professor associado da Universidade
de Toronto, Canadá, ele foi publicado em 2023 pela Editora da Unicamp. A
pesquisa de Delfanti aborda capitalismo digital em relação a trabalho,
automação, contraculturas e produção de conhecimento científico. O parágrafo
que encerra esta postagem foi extraído do terceiro parágrafo do Capítulo 6,
intitulado Faça história.
"De várias formas, a Amazon se tornou símbolo de uma
ameaça mais ampla ao movimento trabalhista por uma razão simples: outras
empresas, em uma variedade de setores, estão cada vez mais imitando as técnicas
das quais a Amazon é pioneira. A 'amazonificação' bem-sucedida de
outros setores da economia seria uma derrota de proporções históricas para o
movimento trabalhista, porque legitimaria e disseminaria as estratégias usadas
pela Amazon para controlar a força de trabalho e sugá-la, para depois
descartá-la. De fato, a empresa não apenas negligencia os
meios de subsistência e a dignidade dos trabalhadores; isso é uma
característica comum do capitalismo. Pelo contrário, ela busca algo
transformador. Ao reinventar lógicas centenárias derivadas do início do
capitalismo industrial, ao incrementá-las com tecnologia digital e novas
técnicas de gestão, a Amazon está construindo uma nova forma de exploração a
serviço de seus objetivos econômicos. Assim, a luta contra um oponente tão
poderoso tem potencial para definir uma era, transcendendo questões sobre as
condições de trabalho de qualquer armazém."