quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Funcionários da Amazon usam bots para disputar folga

Os trabalhadores dos armazéns da Amazon nos EUA têm o direito de pedir folgas não-remuneradas – mas a quantidade é limitada, e dividida entre todos os empregados. Quando a empresa libera folgas, elas rapidamente são reservadas pelos funcionários mais ágeis, e os demais ficam sem. Agora, essa competição alcançou um novo nível. Empregados da Amazon criaram bots, como o Auto Acceptor e o AutoVTO, que monitoram a intranet da empresa – e clicam automaticamente nas folgas assim que estão disponíveis. Basta deixar uma janela do navegador Chrome aberta, rodando o bot. A tecnologia é similar à que cambistas usam para comprar ingressos de shows. (BG)

Esta é a íntegra de uma notícia publicada na edição de junho de 2024 da revista SUPER Interessante.
""Os trabalhadores dos armazéns da Amazon nos EUA têm o direito de pedir folgas não-remuneradas – mas a quantidade é limitada, e dividida entre todos os empregados.", diz a notícia.
Ou seja, ter o direito à seja lá o que for é algo que significa nada para os trabalhadores neste sinistro planeta, principalmente, para os explorados por corporações que a cada dia tornam-se maiores. Maiores em termos de quantidade de países em que atuam, do volume de recursos financeiros que possuem e, principalmente, da subjugação cada vez maior dos trabalhadores às suas perversas políticas voltadas exclusivamente para seus crescentes e exorbitantes lucros. "As grandes corporações não se importam se você morrer.", diz uma frase estampada em uma camiseta que comprei no site El Cabriton.
"Mas a quantidade é limitada, e dividida entre todos os empregados.", diz a notícia, fazendo-me lembrar de uma indagação de Paulo Roberto da Silva em seu livro intitulado "Economia, consciência e abundância: de agentes econômicos de destruição a regeneradores da teia da vida": "É possível sermos abundantes em uma economia que tem como base a escassez?" Sim, em uma economia que tem como base a escassez, limitar a quantidade do que nela é oferecido e estimular a competição entre as pessoas é algo, simplesmente, imprescindível.
"Agora, essa competição alcançou um novo nível.", diz a notícia. Alcançar níveis de competição cada vez mais insanos, eis outra característica da insana economia instalada neste planeta.
"Empregados da Amazon criaram bots", diz a notícia. "O que é um bot?", indago eu. Respondendo tal indagação, segue algo que encontrei em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bot.
"Diminutivo de robot, também conhecido como internet bot ou web robot, bot é uma aplicação de software concebido para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô. O seu uso mais frequente está no Web crawler, em que um script realiza buscas automáticas, analisa informações de arquivos e servidores em uma velocidade extremamente alta, muito superior à capacidade humana."
"Uma aplicação de software concebido para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô.", eis a descrição do que seja um bot. O sinistro é que cada vez mais os ditos seres humanos tornam-se "similares" aos robôs – praticam ações repetidas vezes de maneira padrão -, diferenciando-se deles apenas pela velocidade com que praticam as ações.

E ao comparar robôs e seres humanos, o método das recordações sucessivas leva-me a trazer para esta postagem a seguinte afirmação de Erich Fromm (1900 – 1980), psicanalista, filósofo e sociólogo alemão: "O mal do passado foi os homens se tornarem escravos. O perigo do futuro é que eles se tornem robôs." O que era futuro para Erich Fromm chegou e, pior do que ele imaginou, hoje, o ser humano tornou-se robô sem, de certa forma (ou seria de errada forma?), ter deixado de ser escravo, tendo apenas trocado de senhor.

No dia 06 de novembro de 2015, a empresa canadense BlackBerry lançou nos Estados Unidos uma linha de smartphones e tablets a qual deu o nome da própria empresa. Os smartphones BlackBerry possuíam um sistema operacional próprio chamado BlackBerry OS e eram muito utilizados por empresas e seus funcionários, pois eram considerados seguros.
O que o que é dito no parágrafo anterior tem a ver com esta postagem? O fato de BlackBerry ser o nome do grilhão usado, nos Estados Unidos, para atar os pés dos negros como forma de impedir sua fuga, durante o período da escravidão, o que leva-me a fazer uma associação ao que é dito no final do segundo parágrafo acima. O tempo passou e, se em um passado remoto os escravos eram mantidos presos pelos pés, há algum tempo eles passaram a ser presos por outra parte do corpo. Com a invenção do smartphone, os escravos deixaram de ser mantidos presos pelos pés, e passaram a ser pelas mãos. Uma coisa que impressiona-me na história da BlackBerry é a desfaçatez na escolha do nome da empresa e do seu produto. Afinal ao dar a ele tal nome o que ela faz é assumir que seu produto é algo que possibilita manter as pessoas escravizadas. Escravizadas de uma nova forma, mas escravizadas, tendo apenas trocado de senhor.
Ao ler que "A tecnologia é similar à que cambistas usam para comprar ingressos de shows.", vem-me à mente a seguinte indagação: Será que ao usar uma tecnologia similar à que cambistas usam os empregados dessa sinistra empresa não acabam tornando-se similares aos cambistas? Ou seja, passam a "adquirir" folgas não-remuneradas com a intenção de conseguir remuneração por meio da venda de algo cuja quantidade é limitada ou, em outras palavras, insuficiente para atender a todos os empregados?
E ao ler esta notícia na revista SUPER Interessante, me veio à mente um livro intitulado Amazon: Trabalhadores e Robôs. De autoria de Alessandro Delfanti, professor associado da Universidade de Toronto, Canadá, ele foi publicado em 2023 pela Editora da Unicamp. A pesquisa de Delfanti aborda capitalismo digital em relação a trabalho, automação, contraculturas e produção de conhecimento científico. O parágrafo que encerra esta postagem foi extraído do terceiro parágrafo do Capítulo 6, intitulado Faça história.

"De várias formas, a Amazon se tornou símbolo de uma ameaça mais ampla ao movimento trabalhista por uma razão simples: outras empresas, em uma variedade de setores, estão cada vez mais imitando as técnicas das quais a Amazon é pioneira. A 'amazonificação' bem-sucedida de outros setores da economia seria uma derrota de proporções históricas para o movimento trabalhista, porque legitimaria e disseminaria as estratégias usadas pela Amazon para controlar a força de trabalho e sugá-la, para depois descartá-la. De fato, a empresa não apenas negligencia os meios de subsistência e a dignidade dos trabalhadores; isso é uma característica comum do capitalismo. Pelo contrário, ela busca algo transformador. Ao reinventar lógicas centenárias derivadas do início do capitalismo industrial, ao incrementá-las com tecnologia digital e novas técnicas de gestão, a Amazon está construindo uma nova forma de exploração a serviço de seus objetivos econômicos. Assim, a luta contra um oponente tão poderoso tem potencial para definir uma era, transcendendo questões sobre as condições de trabalho de qualquer armazém."

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