“As mulheres preferem abrir mão dos cargos de dedicação integral para cuidar melhor da vida pessoal e da família
É tarde de terça-feira, e Christina Munte, de 43 anos, aproveita para passear com as filhas Juliana, de 9 anos, e Lara, de 5, em um clube da Zona Sul de São Paulo. Almoçam juntas e em seguida lá vai ela, para o alto da arquibancada, assistir ao jogo de tênis da mais velha. Depois, é hora de acompanhar as acrobacias da caçula na aula de ginástica olímpica. O programa é repetido todas as terças-feiras. Embora pareça fazer parte da rotina típica de uma dona de casa, essas cenas têm como protagonista uma profissional muito bem-sucedida, diretora da Atlantica Internacional, uma rede internacional de hotéis. Exceto pelo dia tranquilo que passa com as meninas, no resto da semana Christina se desdobra em reuniões, feiras e viagens internacionais. A vida é corrida, mas ela garante que o ritmo já foi muito pior.
O mercado hoteleiro estava em ebulição nove anos atrás, quando Christina teve seu primeiro bebê. Nessa ocasião, ela trabalhava nos fins de semana, chegava em casa tarde e ficava muito frustrada. ‘Por cansaço e pela vontade de curtir minha filha’, diz ela. Em 2005, Christina engravidou novamente e sentiu que estava diante de um dilema. ‘Tinha pavor de abrir mão de uma carreira que me dava imenso prazer, mas precisava aproveitar minha família’, afirma. A solução veio durante uma conversa franca com seu supervisor, ao final da qual ele fez uma proposta tentadora: reduzir em 20% a carga horária semanal, assim como o salário de Christina. ‘Foi a solução perfeita, pois não precisei abrir mão de nada’, diz.”
Estes são alguns trechos da reportagem de Suzana Villaverde, publicada na edição de 7 de março da revista Época.
Mais um belo exemplo dado por uma mulher.
Li certa vez algo mais ou menos assim: Pode-se ter qualquer coisa na vida, mas não se pode ter tudo. Ou seja, a vida é feita de escolhas. Ao escolher algumas coisas, abrimos mão de outras.
Mas Christina Munte parece não concordar com tal opinião. Ao trocar 20% de seu salário por um dia de convivência com as filhas, ela considera não ter aberto mão de nada. Qual seria a opinião dela sobre trocar a PLR (Participação nos Lucros ou nos Resultados) por tempo para se dedicar a atividades mais significativas do que as – a cada dia mais entediantes - encenações do teatro corporativo? Como é difícil permanecer acordado durante as intermináveis reuniões cuja finalidade parece ser apenas o preenchimento das horas de permanência no local de trabalho. Mas há quem opte por morrer na empresa para não abrir mão de tal remuneração!
Parece concordar com uma opinião do professor Hermógenes:
“O milionário paga ao jardineiro para aparar a grama e cuidar das flores. Mas, coitado! Vive tão apressado! Não lhe sobra tempo para gozar a beleza de seu jardim, que ele financia. Paga para dizer que o jardim é seu.”
Christina resolveu cuidar de suas flores e gozar da beleza do seu jardim. Aprendeu a viver com menos dinheiro para conviver mais com quem ama. Um antigo ditado diz que tempo é dinheiro, e a imensa maioria vende o seu tempo em quantidade a cada dia maior. Afinal, quanto maior a quantidade vendida, maior é a quantia obtida. Christina pertence a uma minoria que resolveu comprar tempo, ou melhor, recomprar algo que vendeu. Os 20% que deixou de receber em seu salário foram o preço pago pelo tempo para conviver com as filhas.
A atitude de Christina diminui a probabilidade de ocorrência de algo que li em um texto de Frei Betto:
“O que esses pais fazem com as mãos no bolso, tentam inutilmente desfazer com as mãos na cabeça ao perceberem no que os seus filhos se tornaram.”
Na semana em que, merecidamente, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, uma delas nos proporciona mais uma notícia que merece ser propagada. E ainda há quem considere as mulheres como seres inferiores! “Pai, perdoai-os ... eles não sabem o que fazem”. E haja perdão!
P.S.
Cabe aqui um elogio ao amigo Michel, que em seu comentário sobre a postagem anterior diz o seguinte:
“Tenho valores bem parecidos com os dela (Ana Paula Arósio) e também estou mudando a minha vida. Estou trocando o trabalho na Sede da Petrobras e possibilidades de crescimento, por um trabalho mais técnico na área operacional (REDUC), sem possibilidade de crescimento profissional, para que no futuro bem próximo eu possa voltar para minha cidade natal (Petrópolis) e viver próximo a minha família.”
É mais um que opta por trocar coisas valorizadas por coisas valiosas.
2 comentários:
Obrigado pelo elogio Amigo Guedes. Eu fico muito feliz em saber que não sou tão louco assim (risos) e que existem pessoas que pensam como eu.
Se aqui fosse o programa do Raul Gil eu tiraria a chapéu para a Christina. Um exemplo a ser seguido.
Amigo Michelito,
Quem já interagiu comigo sabe que não faço elogios sem fundamento, portanto, o elogio é merecido.
Sabe também que sou muito franco e que não gosto de ver as pessoas equivocadas. Dizem que nenhum louco acredita que é louco. Talvez seja esse o seu caso, mas não o meu. A minha felicidade está em saber que sou louco. Krishnamurti diz que: “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade profundamente doente”. No meu entender, ele se refere, principalmente, à saúde mental. Portanto, o verdadeiro motivo para ficar feliz é saber que é louco. E que existem pessoas que pensam como nós, ou seja, como loucos.
O mal desta sociedade está na existência da enorme maioria formada pelos “normóticos”. O que é “normose”? É um conceito desenvolvido por Jean-Yves Leloup e Roberto Crema que no livro “Normose – A Patologia da Normalidade” apresenta a seguinte definição:
“A normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte. Em outras palavras, é algo patogênico e letal, executado sem que os seus autores tenham consciência de sua natureza patológica.”
“A normose é, portanto, uma normalidade doentia. Distingue-se da normalidade saudável, como levantar-se cedo e caminhar todos os dias, por exemplo, que constitui um consenso, e da normalidade neutra, como, por exemplo, almoçar ao meio-dia.”
Perceba que as normalidades saudável e neutra são exatamente as menos praticadas. Em uma sociedade na qual quase não se dorme e se consome enorme tempo no trânsito e em longas jornadas de trabalho é muito difícil levantar-se cedo e caminhar todos os dias. E para quem atua no teatro corporativo é quase impossível almoçar ao meio-dia. Afinal, é neste horário que os diretores, digo, os chefes gostam de realizar os ensaios, digo, as reuniões.
Portanto, não fique feliz em saber que não é louco e que existem pessoas que pensam como você. Pense como eu e seja feliz em saber que louco.
Tire o chapéu para a Christina e também para a Ana Paula Arósio. Aliás, segundo as pessoas normais, elas também são loucas, pois se não fossem não teriam tomado as atitudes que tomaram.
Abraços,
Guedes
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