“Empresas de tecnologia adotam estratégia acelerada de lançamentos e deixam para trás o medo de fracassar em público
Foram as empresas de Internet que inventaram o conceito de beta permanente. Beta é o nome dado ao produto que está quase pronto para ser lançado, que se encontra na fase final de testes. Esse conceito de estar sempre em beta vem da ideia de que um serviço de internet está em evolução permanente, sofrendo melhoras constantes, sem nunca alcançar sua versão definitiva.
Com a convergência dos mercados digitais, não são somente os websites que estão sempre em beta. Isso também vale para computadores, celulares, video games e todo tipo de equipamento ou serviço. Empresas de bolsos cheios lançam produtos sem medo de ter que retirá-los do mercado em poucos meses. A experiência de um fracasso hoje pode ser transformada para um grande sucesso futuro.”
Estes são alguns trechos de uma notícia publicada na edição de 19 de dezembro de 2010 no jornal O Estado de S. Paulo. (os grifos são meus)
Medo é algo que costuma desaparecer com o conhecimento. E as empresas de tecnologia demonstram que aprenderam isto. Ao acreditar na veracidade do lema Me engana que eu gosto, deixaram para trás o medo de fracassar em público. A descoberta de que as pessoas gostam de ser enganadas levou à adoção da ideia de evolução permanente e ao lançamento de serviços e produtos sem os devidos testes. Afinal, por que gastar fazendo testes se o público se sujeita a pagar para realizá-los? Por que não aproveitar a avidez com que o público aguarda toda e qualquer novidade para economizar o dinheiro que seria gasto em testes?
Vejo no mundo uma grande inversão de valores. Pagamos por coisas pelas quais deveríamos receber. Os bancos diminuem cada vez mais o número de bancários, pois os correntistas passaram a realizar as tarefas que cabiam a eles. E a pagar para fazê-las. E ainda ficam envaidecidos por serem pessoas que dominam o que há de mais moderno na tecnologia. E pagam a cada dia mais por tarifas bancárias.
Antigamente o nome dos fabricantes ficava dentro da roupa e pessoas recebiam para fazer propaganda. Hoje, a marca passou para o lado de fora e os consumidores pagam para exibi-la. Pagam muito caro para fazer propaganda de uma roupa de grife. E para terem a sensação de serem superiores aos vis mortais.
Enfim, passamos a desempenhar tarefas que competem a quem nos vende serviços e produtos e a pagar para fazê-las. Pagamos pela sensação de sermos superiores aos que não conseguem evoluir e acompanhar toda e qualquer novidade que seja oferecida. Afinal, precisamos ser pessoas em conformidade com o nosso tempo. E, talvez, idiotas!
Coincidências são mais comuns do que a maioria imagina e basta estar atento para percebê-las. Enquanto redigia este texto, ouvi uma propaganda que dizia o seguinte: ....... uma empresa que trabalha para oferecer produtos com a qualidade que você merece. Quer testar? Deixe com o consumidor. Ele merece.
Mais uma coincidência! Ontem recebi um e-mail de uma empresa oferecendo descontos pelo Dia do Consumidor. Hoje, recebi um e-mail de outra empresa, sugerindo que eu comemore a Semana do Consumidor. Imagino que amanhã receberei algum promovendo o Mês do Consumidor. Depois, quem sabe, virão o Ano do Consumidor, o Século do Consumidor, enfim, a Era do Consumidor.
2 comentários:
È impresionante a capacidade do ser humano de realizar "piorias" ao invés de melhorias. Uma verdadeira inversão de papéis e de valores.
O que podemos observar é um crescimento na oferta de produtos e serviços e uma queda na qualidade.
A maioria da população não está preparada para questionar e mudar e por isso as mudanças são impostas pelos fabricantes e prestadores de serviços.
Michelito,
Vamos falar bonito! Estamos vivendo um novo paradigma! E neste paradigma o “fazer certo” foi substituído pelo “fazer correndo”. A notícia que motivou o post se refere a empresas de tecnologia, de computadores e assemelhados, portanto farei uma comparação nesta área.
Nos tempos áureos e “jurássicos” do mainframe (computadores de grande porte) os fabricantes demoravam até dezoito meses testando os produtos antes de liberá-los para venda. Trabalhei com mainframes durante 31 anos e jamais vi um erro nos softwares com os quais trabalhei.
Hoje, conforme diz a notícia, os serviços e produtos saem dos fabricantes sem serem testados. Os motivos? Enxergo dois: colocar o produto no mercado antes dos concorrentes e, principalmente, tentar fazer algo que considero impossível: saciar a ansiedade - por toda e qualquer novidade – de seres insaciáveis.
Para estes seres não importa a qualidade do produto e sim a sensação de ter uma coisa que outros ainda não têm. São ávidos por novidades e relaxados quanto à qualidade.
Há na notícia a seguinte afirmação: “Empresas de bolsos cheios lançam produtos sem medo de ter que retirá-los do mercado em poucos meses”.
Se os consumidores não exigem qualidade, não serão os fabricantes que se interessarão por ela. Se para os consumidores está bom, para eles está melhor ainda.
Se a notícia tivesse sido redigida por mim, eu acrescentaria o seguinte: “E consumidores de bolsos vazios e completamente endividados compram porcarias sem medo de ter que jogá-las no lixo em poucos meses”. E os fabricantes, com a anuência dos institutos de certificação, vão vendendo seus produtos com o selo BPO (Bom Pra Otário) e rindo à toa.
Abraços,
Guedes
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