terça-feira, 29 de março de 2011

Trabalho degradante cresce em obras

“Exploração migra das lavouras para a construção civil; empregados moram em quartos apertados e ficam sem água

Aquecimento do setor e atuação de aliciadores são apontadas como as principais razões para o aumento dos casos

Doente e dividindo com outros 28 operários um dormitório onde só cabem dez pessoas, Josivaldo Santos Batista, 37, foi flagrado na periferia de Campinas há uma semana em condições degradantes de trabalho – situação que, no interior de São Paulo, era comum apenas nas áreas rurais.

Na região, a exploração de trabalhadores como Batista está migrando das lavouras de cana de açúcar para a construção civil, segundo o Ministério Público do Trabalho em Campinas.

O crescimento da mecanização no campo, o aquecimento do setor imobiliário e a ‘profissionalização’ de agenciadores que buscam mão de obra barata são apontados como fatores decisivos para essa mudança.

Nos casos mais graves, o trabalhador é aliciado com promessas de trabalho ou salário bem diferentes dos encontrados na prática.

‘A gente dormia embolado e mal, depois trabalhava o dia todo, às vezes sem nem beber água’.

(...) disse que ele e colegas receberam comida estragada.”

Estes são alguns trechos de uma reportagem de Marília Rocha, publicada na edição de 20 de março de 2011 do jornal Folha de São Paulo.

A reportagem focaliza a construção civil, mas o crescimento do trabalho degradante é geral, variando apenas no grau de aviltamento. Marília Rocha mostra a degradação das condições físicas, mas há também a degradação moral e psicológica, que já foram alvos de reportagens e ainda voltarão ao noticiário, e digo por quê. Empregadores burlam várias leis, mas cumprem “religiosamente” a Lei da Oferta e da Procura cujo funcionamento é basicamente o seguinte. A quem reclamar é ofertada a porta de saída e consequentemente terá que procurar um novo trabalho. Quando a procura supera a oferta – o que é cada vez mais frequente -, a maioria se sujeita a condições degradantes. Afinal, depende-se daquele emprego, não é mesmo?

Ser aliciado com promessas de trabalho bem diferentes dos encontrados na prática não se restringe ao caso focalizado pela reportagem. Nos meus últimos anos de trabalho, diante das tarefas atribuídas aos analistas de sistemas de informação, eu costumava fazer aos novos colegas a seguinte pergunta: “Quando foram selecionados para vir trabalhar aqui, vocês sabiam que era para realizar estas tarefas?” E eles respondiam que não.

Participei de um encontro com a duração de um dia que tinha – teoricamente – a finalidade de resolver problemas apontados pela pesquisa de ambiência. Digo teoricamente, pois na prática a “facilitadora” – logo no início do encontro – aconselhou a não reclamar de nada, pois isto poderia levar o reclamante a receber “um selinho”, que prejudicaria a sua carreira. Fiquei pasmo com o conselho dado pela “dificultadora”. Foi degradante ouvir tal conselho.

Portanto, uma das dificuldades daquele encontro foi encontrar – com muito tato, pois chefes são criaturas muito suscetíveis e não toleram contestações – uma maneira de solicitar aos gerentes que fosse feita uma comparação entre o que achávamos serem as tarefas que competem a profissionais classificados como analistas e a opinião deles. Estávamos incomodados, pois tínhamos sido transformados em uma espécie de quebra-galho que se sujeita a participar – como profissionais - de uma brincadeira que existia no meu tempo de criança, denominada o que o seu mestre mandar, faremos todos. E o teatro corporativo é repleto de pretensos mestres loucos por mandar fazer trabalhos degradantes! Optei pela aposentadoria para deixar de ouvir coisas como: “Olha, eu vou ser muito franca: se você não quiser fazer isto não terei mais como pagar o seu salário”. Degradante não?

Capacitar-se para exercer uma profissão e ter que trabalhar sujeitando-se a satisfazer veleidades de superiores hierárquicos – talvez inferiores em inteligência – por medo de receber “um selinho” (se for funcionário) ou de perder o emprego (se for terceirizado) caracteriza, na minha opinião, a participação em trabalhos degradantes. Esta é uma situação que ocorre na maioria das empresas, pois a cada dia elas são mais parecidas, principalmente no que há de pior. São as tais “melhores práticas”. Melhores para quem?

Sei que, devido aos riscos apontados no parágrafo anterior, vocês não farão comentários concordando com a minha opinião. Sei também que chefes não costumam visitar blogs, pois o seu tempo é totalmente tomado por reuniões, mas – como diz uma propaganda que permanece no ar – “vai qui” alguma entidade do lado negro da força inspira justamente o de vocês a visitar este blog e, o que é pior, a ler os comentários. Seria o maior azar, mas na vida nada é impossível. Portanto, como “facilitador”, lhes dou o seguinte conselho: Façam o comentário e o assinem com o famoso anônimo, ok? Será uma espécie de disque denúncia.

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