sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Novas tecnologias banalizaram o ato de "dar o cano"

"Não faz muito tempo, a única forma de desmarcar um compromisso social era pessoalmente ou por telefone. Quando isso acontecia, o esperado era um efusivo pedido de desculpas. Mas agora, quando nossos dedos nos livram de compromissos via mensagens de computador ou celular, as barreiras para o cano diminuíram.
Não está a fim de sair? Basta digitar um recado às pressas: 'Foi mal, não deu para aparecer nesta noite'. E não se preocupe em avisar com antecedência. Quanto mais tarde melhor.
'Enviar um SMS para desmarcar algo é ser preguiçoso e frívolo', disse o apresentador de TV Andy Cohen. 'Você não está dando peso a nada, e isso transforma todos nós em garotos de 14 anos'.
Ashley Wick, de Nova York, organizou recentemente um jantar para apresentar um designer que ela representa a cerca de dez editores. Os convites foram enviados com duas semanas de antecedência. No entanto, no dia do jantar, quase metade dos convidados cancelou sua participação via e-mail. 'As regras de etiqueta não parecem mais aplicáveis', disse Wick. 'As pessoas se escondem atrás de um e-mail ou de mensagens de texto para cancelar compromissos ou para fazer coisas que seriam desconfortáveis de fazer pessoalmente'.
'As pessoas não se sentem mal por dispararem um SMS cancelando algo, mas ninguém jamais faria uma ligação e diria: 'Vamos jantar na semana que vem, porque hoje quero ir a uma festa', disse Danielle Snyder, 27, criadora da linha de bijuterias Dannijo. 'Quando você diz isso em voz alta, percebe como soa ruim'.
A suposição de que estamos sempre grudados aos nossos celulares contribui para que as pessoas deixem os cancelamentos para a última hora, sem culpa. 'Elas automaticamente pensam que eu vi a mensagem, já que elas mandaram', disse Jason Binn, fundador da revista 'Dujour'.
(...) A artista plástica Rachel Libeskind, 23, de Nova York, está constantemente navegando por seus círculos sociais no iPhone. Ela marca três ou até quatro compromissos para as noites dos fins de semana, sabendo que há só 60% de chance de comparecer a algum deles. 'As pessoas me mandam uma mensagem: 'Vamos fazer alguma coisa no fim de semana?', e eu fico com três ou quatro planos à vista para a semana. Em média mais da metade deles fura', disse Lubeskind. 'Os planos sociais que eu faço estão sempre mudando'. Além do mais, não é considerado grosseiro quando amigos 'dão o cano'. 'Como há tão pouca coisa envolvida em termos de ter esses planos, não é tão rude', disse ela. 'Está implícito, porque é assim que todo mundo está operando'.
'A estilista de moda Cynthia Rowley disse que a vida social movida a celular permitiu ampliar suas amizades 'sem precisar investir tempo cara a cara'."
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Caroline Tell, publicada no The New York Times e reproduzida na edição de 19 de novembro de 2012 do jornal Folha de S.Paulo.
Novas tecnologias banalizaram o ato de "dar o cano", diz o título da reportagem. Tratadas como ferramentas, pois é o que elas são, as tecnologias são meios capazes de facilitar a nossa vida. Usadas, equivocadamente, como fins elas são uma das primeiras coisas a serem banalizadas. E é da banalização do uso das tecnologias que decorre uma série de outras banalizações, dentre elas a citada na reportagem. Em conformidade com a prática da classificação em eras, creio que uma denominação adequada para o período em que vivemos seja era da banalização. Para aqueles que ainda têm alguma sensibilidade, é assustador o grau de banalização atingido por esta insana sociedade. Hoje, quase tudo está banalizado!
A reportagem fala em banalização do ato de "dar o cano". Mas o que significa isto? Significa que se combina com outras pessoas coisas para as quais não se dá a menor importância. Significa que vivemos em uma era paradoxal na qual as pessoas ficam grudadas em tempo integral nas redes sociais estabelecendo relações sociais sem importância, conforme pode ser demonstrado pelo seguinte trecho da reportagem. A artista plástica Rachel Libeskind, 23, de Nova York, está constantemente navegando por seus círculos sociais no iPhone. Ela marca três ou até quatro compromissos para as noites dos fins de semana, sabendo que há só 60% de chance de comparecer a algum deles. 'Os planos sociais que eu faço estão sempre mudando'. Além do mais, não é considerado grosseiro quando amigos 'dão o cano'. 'Como há tão pouca coisa envolvida em termos de ter esses planos, não é tão rude', disse ela. 'Está implícito, porque é assim que todo mundo está operando'.
Segundo a reportagem, a estilista de moda Cynthia Rowley disse que a vida social movida a celular permitiu ampliar suas amizades 'sem precisar investir tempo cara a cara'. Em uma reportagem de Guilherme Genestreti intitulada Todo mundo só, publicada na edição de 24 de maio de 2011, no caderno Equilíbrio que acompanha a edição de terça-feira do jornal Folha de São Paulo, Sherry Turkle, psicóloga e professora do Massachusetts Institute of Techonology (EUA) expressa uma opinião completamente diferente: "Estar conectado dá a ilusão de termos companhia sem as demandas de uma amizade". Ou seja, amizade é mais uma coisa que deve ser incluída entre as banalizações desta sociedade saturada de contatos virtuais e carente de amizades reais.
A tecnologia é algo extremamente útil, mas a banalização de seu uso é algo extremamente nocivo, pois conforme foi dito acima ela origina uma série de outras banalizações, da qual alguns pouquíssimos exemplos foram mostrados nesta postagem. São atribuídas a Albert Einstein as seguintes palavras: "Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas". Há quem diga que o dia temido por Einstein já tenha chegado. Vocês concordam? Estamos ou não na era da banalização?

Nenhum comentário: