domingo, 13 de outubro de 2013

Ônibus rápido e carro congestionado é democracia

Ex-prefeito de Bogotá, o economista Enrique Penãlosa, 59, entusiasma-se com o fato de os protestos de junho terem colocado a mobilidade urbana em pauta no Brasil porque a questão simboliza "liberdade" e "equidade". Responsável por implementar o amplo sistema de corredores de ônibus da capital colombiana há mais de uma década, faz defesa enfática da expansão das faixas de ônibus em São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad (PT). "Quando um ônibus passa ao lado de carros engarrafados, temos um símbolo de democracia. O interesse coletivo está acima do particular", afirma Penãlosa. Leia trechos da entrevista concedida à Folha.
Folha - O prefeito de SP acelerou a implementação de faixas exclusivas para ônibus, mas há críticas à falta de ajuste das linhas e às interferências de carros. O que acha?
Enrique Penãlosa - Não posso entrar nos detalhes técnicos de São Paulo, pode haver erros na implementação técnica, mas admiro o prefeito por dar importância aos corredores de ônibus. O mais importante em uma discussão é a estratégia. Pode haver erros na tática, mas não na estratégia. A dificuldade para solucionar o problema do transporte não é técnica nem econômica.
Podem fazer mais duas ou três linhas de metrô, e não vai consertar o trânsito, pode-se fazer mais vias, e não vai consertar. Os ônibus com faixa exclusiva e os metrôs podem consertar o problema da mobilidade, mas não dão jeito no trânsito. A única maneira de dar um jeito no trânsito é com restrições ao uso dos carros. E a restrição mais óbvia de todas é a de estacionamento. Em São Paulo ainda há muitas ruas em que os carros podem estacionar. Com metrô ou sem metrô, nunca será possível resolver o tema da mobilidade sem um bom sistema de ônibus.
Folha - A prefeitura deve revisar ou não a decisão de permitir que táxis com passageiros utilizem os corredores e faixas?
Enrique Penãlosa - Não se deve permitir os táxis. Pode ser que em algumas situações isso não seja um problema, e teriam de ser estudados detalhes técnicos, mas, a princípio, nada que provoque a mais mínima demora aos ônibus deve ser permitido. Um táxi leva uma pessoa, e um ônibus pode levar até cem passageiros: o segundo tem direito a cem vezes mais espaço. Além do mais, em sociedades tão desiguais como as nossas, se damos privilégios aos táxis terminaremos com um sistema onde os ricos têm um táxi com contrato permanente, ou quase permanente."
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Flávia Marreiro na qual é apresentada uma entrevista com Enrique Peñalosa, consultor nas áreas de trânsito e urbanismo e ex-prefeito da cidade de Bogotá, publicada na edição de 2 de outubro de 2013 do jornal Folha de S.Paulo.
Coincidentemente, nessa mesma edição da Folha de S.Paulo, o artigo de Ruy Castro, intitulado Tumor nas cidades, focaliza o problema do uso do carro na cidade. Dele selecionei os seguintes trechos:
"No domingo, em entrevista ao "Estado", o vice-presidente Michel temer nos tranquilizou ao dizer que "não houve tropeço na economia". E sustentou sua afirmação com a frase: "Enquanto o cidadão puder ir ao supermercado, botar o filho na escola e comprar um carro, a economia do cotidiano não mudou".
(...) Os dois primeiros itens nem deveriam ser citados. (...) Mas o que mais deprime é o terceiro fator invocado por Michel temer para louvar a estabilidade da economia. Para ele, a estabilidade consiste em o cidadão poder comprar um carro - mesmo que, para viabilizar esse suave milagre, o governo tenha de reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) referente a ele e, com isso, lá na frente, vá lhe faltar dinheiro para deixar as estradas em condições de receber o carro.
O irônico é que nunca houve, como agora, tanta consciência sobre o carro como um tumor maligno no organismo das cidades. Mas quem resiste a um tumor que o próprio governo federal promove e financia?"
Enrique Penãlosa também esteve em São Paulo em junho do ano passado e naquela ocasião a Folha de S.Paulo publicou, no dia 24, uma reportagem intitulada Governos devem cobrar caro pelo uso do carro que também apresentava uma entrevista com ele. Foi naquela reportagem que tomei conhecimento de uma frase dita por ele que, pelo menos por aqui, tornou-se famosa ao ser usada em cartazes exibidos durante as manifestações ocorridas em junho deste ano e propagada pelas redes sociais. Qual é a frase? "A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público". Lembram dela? Essa é a versão apresentada na entrevista publicada na Folha de S.Paulo. Nos cartazes e nas redes sociais ela aparecia um pouco diferente: "País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico anda de transporte público".
"Quando um ônibus passa ao lado de carros engarrafados, temos um símbolo de democracia. O interesse coletivo está acima do particular", afirma Penãlosa. Será que algum dia nós e / ou nossos descendentes conseguiremos viver em uma cidade avançada? Se depender única e exclusivamente do Governo, parece-me que não. Portanto, conseguir viver em uma cidade avançada e em uma autêntica democracia, é algo que, como diz Ivan Lins em uma antiga música, Depende de nós. Depende de nos conscientizarmos de que, neste País, o Governo jamais fará algo que nos beneficie enquanto não nos mobilizarmos, de forma efetiva, para exigir que ele passe a agir em prol da população, e não de interesses escusos dos governantes e dos lobbies que financiaram suas campanhas eleitorais.

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