segunda-feira, 11 de abril de 2016

Após táxis, Uber agora enfrenta seus motoristas

Eles protestam amanhã contra redução de 15% na tarifa, aplicada no ano passado
Um grupo de motoristas que utilizam no Brasil o aplicativo de carona paga da multinacional norte-americana Uber mobiliza uma paralisação de 24 horas, a partir das 5h de amanhã, para protestar contra a redução de 15% na tarifa, aplicada no ano passado. Os organizadores estimam que 2 mil motoristas devem desligar o aplicativo – segundo a Uber, há 10 mil parceiros no País. Eles se queixam do crescente número de novos colaboradores, o que, aliado à queda na tarifa, estaria causando prejuízo. Motoristas pedem que o valor seja reajustado em 35%.
(...) Organizado por meio do WhatsApp, o movimento pede diálogo com a Uber. Na última semana, o aplicativo suspendeu motoristas temporariamente. O Estado apurou que a empresa fez uma varredura para coibir suspeitas de fraude, mas, oficialmente, ela nega o desligamento definitivo. Os motoristas, porém, afirmam que a Uber expulsa profissionais que organizam protestos. Por medo de represália, a maioria dos motoristas ouvidos pela reportagem e que vão aderir à paralisação não quis se identificar.
Ricardo (nome fictício), cadastrado como Uber Black, diz que, com a redução de 15% na tarifa e o reajuste de 6% na gasolina, o rendimento caiu significativamente. "Perdemos muito mais do que calculávamos. Estamos praticamente pagando para dirigir." Segundo ele, o faturamento diário era de R$ 500. "Hoje, não faço R$ 300." Para ele, o protesto não vai pesar no bolso da Uber, mas servirá para chamar a atenção. "Acho impossível a empresa rever os valores, até porque isso começou lá fora e ela não voltou atrás. Tentamos conversar, mas fomos ignorados, então, vamos chamar atenção da mídia e do público."
Nelson Bazolli, presidente da Associação dos Motoristas Parceiros das Regiões Urbanas (Amparu) e um dos organizadores do ato, confirma que a correção da tarifa já foi pedida à empresa, que teria ignorado os apelos por conversa. "A relação desequilibrou por causa da questão tarifária. Com menos lucro, o motorista tem menos dinheiro para comprar, por exemplo, água e balas, ou para manter o ar-condicionado ligado. Vai cair a qualidade do serviço."
Lamento. Motorista da Uber X há dois meses, Mariana (nome fictício) entrou para a empresa para complementar a renda de comerciante, mas demonstra arrependimento. "Era para ser mais uma fonte de renda, mas está me atrapalhando." A colaboradora diz que trabalha 17 horas diárias para receber R$ 300. "Quando entrei, ligava o aplicativo em casa e já tinha corrida. Trabalhava seis horas por dia e batia minha meta. Agora, chego a ficar uma hora esperando."
"Em nota, a empresa afirma que a estratégia de reduzir preços tem como resultado o aumento da demanda por carros. "Com isso, os motoristas parceiros farão ainda mais viagens, chegando até a ganhar mais." Ainda de acordo com a Uber, embora tenha havido redução de tarifa, "os motoristas continuam ganhando a mesma porcentagem (80% para Uber Black e 75% para Uber X) do valor pago pelos usuários".
Esta é quase a íntegra de uma reportagem de Juliana Diógenes publicada na edição de 27 de março de 2016 do jornal O Estado de S. Paulo. Os trechos grifados nas respostas constituem os destaques feitos na reportagem.
Após táxis, Uber agora enfrenta seus motoristas, eis o título da reportagem que provocou esta postagem que, considerando as duas anteriores, talvez possa até ser vista como a parte final de uma trilogia. Portanto, para evitar repetir-me, procurarei opinar apenas sobre trechos da reportagem que tenham chamado minha atenção, mas algumas referências às postagens anteriores serão inevitáveis. O que é dito na reportagem refere-se ao Brasil, pois manifestações de motoristas da Uber contra ela já haviam ocorrido, pelo menos em Nova York, conforme pode ser visto em Compartilhando asneiras.
"Os motoristas afirmam que a Uber expulsa profissionais que organizam protestos", diz a repórter. "Tentamos conversar, mas fomos ignorados, então, vamos chamar atenção da mídia e do público.", afirma um motorista ouvido pela reportagem. Será que tais atitudes são compatíveis com o que deve ser entendido como democracia? O que vocês acham?
"Acho impossível a empresa rever os valores, até porque isso começou lá fora e ela não voltou atrás.". Sim, conforme é dito em Compartilhando asneiras, isso já aconteceu lá fora, afinal, a Uber é uma corporação multinacional.
"Em nota, a Uber afirma que a estratégia de reduzir preços tem como resultado o aumento da demanda por carros". Será? Há controvérsias, pois há quem veja em tal estratégia uma forma da Uber chegar ao seguinte resultado: exterminar as concorrências locais e então dar-se o direito de estipular o preço que ela bem entender. E entre os que enxergam assim está Evgeny Morozov. O parágrafo abaixo foi extraído de Preço baixo da Uber vai acabar, diz especialista.
"Para o pesquisador bielorusso Evgeny Morozov, especialista em internet e nos monopólios que surgiram com a vida em rede (como Facebook e Google), os preços baixos da Uber têm prazo para acabar: assim que a empresa conseguir quebrar toda a concorrência em serviços de transporte individual. Além disso, para aumentar suas margens de lucro, Morozov diz que a Uber deve investir em carros automatizados - eliminando assim o pagamento aos motoristas de sua equação de negócios."
"Conseguir quebrar toda a concorrência em serviços de transporte individual", eis o grande desejo da Uber. Desejo cuja concretização originará um novo grupo de queixosos da Uber: os usuários. Primeiro foram os taxistas; depois os motoristas e finalmente serão os usuários. Afinal, em uma civilização onde o famigerado lucro monetário seja colocado acima de tudo, apenas acionistas e investidores não podem ter do que se queixar. Os demais que se danem, para não usar aqui um verbo mais contundente.
"Ainda de acordo com a Uber, embora tenha havido redução de tarifa, 'os motoristas continuam ganhando a mesma porcentagem (80% para Uber Black e 75% para Uber X) do valor pago pelos usuários'". E novamente, há controvérsias, pois, ainda de acordo com o que é dito em Compartilhando asneiras, em Nova York, "Não era a primeira vez que a empresa fundada pelo obnóxio Travis Kalanick reduzia preços e também já havia aumentado a fatia que abocanha dos motoristas." Os grifos são meus.
Dito isto, sugiro, a quem não o tenha feito, a leitura das duas postagens anteriores: Preço baixo da Uber vai acabar, diz especialista   e    Compartilhando asneiras.

Nenhum comentário: