quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Solidão que nada

Um dispositivo criado por estudantes franceses da
Universidade Paris-Saclay e Sorbonne é capaz de fazer um carinho no usuário enquanto ele manipula um smartphone. Apesar do espírito lúdico, o MobiLimb, como é chamado, explora conceito do aprimoramento humano: estruturas robóticas que funcionam como uma extensão do corpo humano, uma aposta no futuro da indústria.
Esta é a íntegra de uma notícia publicada na edição de 19 de outubro de 2018 do jornal Folha de S.Paulo.
"Um dispositivo capaz de fazer um carinho no usuário enquanto ele manipula um smartphone.", diz a notícia reproduzida acima em uma frase que mutatis mutandis deixo assim:
"Um dispositivo capaz de manipular psicologicamente o usuário enquanto ele manipula fisicamente um smartphone.".
Manipulação! Eis um grande mal ao qual a imensa maioria dos integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo sempre esteve sujeita, sobre o qual já foi alertada e para o qual parece-me cada vez menos preparada para enfrentar, como demonstra o estupendo êxito obtido por essa coisa denominada fake news.
Publicado há 28 anos, há um livro de Wilson Bryan Key (1925 – 2008), um professor e escritor americano autor de vários livros sobre publicidade e mensagens subliminares, intitulado A Era da Manipulação. Um livro que revela as formas pelas quais forças poderosas seduzem e manipulam multidões e discute as sofisticadas estratégias publicitárias e de informação usadas para encantar o público, operando diretamente sobre seus medos, necessidades e desejos inconscientes.
"Apesar do espírito lúdico, o MobiLimb, como é chamado, explora o conceito do aprimoramento humano: estruturas robóticas que funcionam como uma extensão do corpo humano, uma aposta no futuro da indústria.", diz a notícia reproduzida acima.
"Estruturas robóticas que funcionam como uma extensão do corpo humano explorando o conceito do aprimoramento humano, uma aposta no futuro da indústria."! Que coisa estranha, hein!
"Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.", disse Teilhard de Chardin (1881 – 1955), teólogo, filósofo e paleontólogo francês, em uma afirmação que considero a mais significativa que já vi para explicar o que somos. Uma afirmação que leva-me à seguinte indagação: Se somos seres espirituais, será que faz sentido buscar na robótica o nosso aprimoramento? Não, o que depende da robótica não é o aprimoramento humano, e sim "a aposta no futuro da indústria"; de uma indústria cada vez mais desumana.
"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem.", disse Alexis Carrel (1873 – 1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês, em uma afirmação que considero a mais significativa que já vi para explicar o porquê da tal da espécie inteligente do universo ainda não ter conseguido atingir um estágio evolutivo que faça jus ao termo civilização. Uma espécie que, fascinada pela evolução tecnológica e negligente em relação à evolução do homem, facilmente adere à criação de dispositivos como o citado na notícia acima. Um dispositivo que, alegando ser capaz de resolver uma carência psicológica por meio de um recurso tecnológico, poderá cair como uma luva para os integrantes do imenso contingente formado pelos adeptos da expressão "Me engana que eu gosto".
Solidão que nada, diz o título da notícia. Não, não é contra a solidão que enxergo a utilidade do dispositivo criado para fazer um carinho no usuário enquanto ele o manipula; e sim a favor de uma forma de manipulação que, valendo-se da errônea crença de que a tecnologia é capaz de solucionar todo e qualquer problema, pretende vender a incautos a equivocada ideia de que problemas psicológicos podem ser solucionados por meios tecnológicos.

Nenhum comentário: