segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Pai do 'vício nas telas' agora quer oferecer a cura

Após criar modelo usado por startups do Vale para atrair usuários, Nir Eyal crê que pessoas podem controlar compulsão
O israelense Nir Eyal ganhou fama nos últimos anos no Vale do Silício por um motivo bem particular: lançado em 2014, seu livro Hooked: How to Build Habit-Forming Products (Viciado: como criar produtos formadores de hábitos, em tradução livre) virou um guia prático para criar aplicativos de celular cativantes, capazes de "sutilmente motivar o comportamento do cliente" e "trazer continuamente o usuário de volta". Agora, ele tem um antídoto para seu próprio método: o novo livro, Indistractable: How to Control Your Attention and Choose Your Life (Indistraível: como controlar sua atenção e escolher sua vida, em tradução literal).
O primeiro livro era um guia para viciar – Dave McClure, fundador da incubadora 500 Startups, considerou sua obra um "manual essencial para qualquer startup que busca entender a psicologia do usuário". Isso foi em 2014, quando um app tipo caça-níquel era algo bom e empolgante e não algo digno de preocupação. O novo trabalho é um método para reverter o vício.
Eyal, de 41 anos, não está sozinho nesta mudança de direção. Desde Hooked, muitas pessoas, como Tristan Harris, que foi responsável pela divisão de ética do Google, vêm propagando a idéia de que os telefones não são saudáveis e viciam. Antigos executivos do Facebook e WhatsApp se tornaram críticos da tecnologia. "Começaremos a perceber que ficar acorrentado ao celular é um comportamento de baixo prestígio como fumar", escreveu B. J. Fogg, pesquisador da Universidade Stanford.
Mas, ao contrário de outros críticos, Eyal não acha que a tecnologia é o problema – e sim somos nós, humanos. "Falamos sobre vício, mas quando se trata do Candy Crush, é isso mesmo? Não estamos inalando Facebook ou injetando Instagram na veia", diz ele. "Essas são coisas com relação às quais podemos fazer alguma coisa, mas preferimos pensar no que a tecnologia está fazendo por nós."
No livro, ele traz um guia para libertar as pessoas de um vício que, acredita, elas nunca tiveram. É apenas uma rejeição da responsabilidade pessoal, em sua opinião. De modo que a solução é recuperar a responsabilidade, adotando inúmeras pequenas atitudes.
Por exemplo: manter seu telefone no silencioso, cedendo menos às notificações. Enviar menos e-mails, mais rápidos. Não passar muito tempo no Slack. Ter apenas um laptop à mão durante reuniões. Introduzir a pressão social, por exemplo, sentando-se ao lado de alguém pode ver sua tela. Estabelecer "pactos com preço" com pessoas, de modo que você pagará a elas se ficar distraído – mas certificar-se de "aprender" o que é compaixão antes de estabelecer o pacto.
Claro que o novo livro de Eyal recebeu críticas. "A tentativa de Nir Eyal é de reverter o processo", disse Richard Freed, psicólogo infantil que apoia que todos passem menos tempo diante da tela. "Essas pessoas que provocaram tudo isso estão tentando agora vender a cura. Mas eram elas que estavam vendendo a droga."
Eyal disse que não está fazendo uma reversão. Seu modelo foi útil, certamente, e ele acreditava nas táticas. Mas não estava viciando as pessoas. É uma falha delas, afirmou, e não do Instagram, do Facebook ou da Apple. "É um desrespeito às pessoas que têm a patologia do vício afirmarem 'ah, todos nós temos esta doença'", disse ele. "Não, não temos".
Esta é a íntegra de uma reportagem publicada na edição de 13 de outubro de 2019 do jornal O Estado de S. Paulo com a indicação de ter sido publicada no The New York Times. A autoria da reportagem é atribuída a Nellie Bowles, uma jornalista americana conhecida por cobrir o mundo da tecnologia no Vale do Silício, e a tradução a Terezinha Martino.
"Eyal, de 41 anos, não está sozinho nesta mudança de direção. Desde Hooked (o primeiro de seus dois livros), muitas pessoas, como Tristan Harris, que foi responsável pela divisão de ética do Google, vêm propagando a idéia de que os telefones não são saudáveis e viciam. Antigos executivos do Facebook e WhatsApp se tornaram críticos da tecnologia.", diz Nellie Bowles. E ela acrescenta:
Mas, ao contrário de outros críticos, Eyal não acha que a tecnologia é o problema – e sim somos nós, humanos. (...) Eyal disse que não está fazendo uma reversão. Seu modelo foi útil, certamente, e ele acreditava nas táticas. Mas não estava viciando as pessoas. É uma falha delas, afirmou, e não do Instagram, do Facebook ou da Apple. "É um desrespeito às pessoas que têm a patologia do vício afirmarem 'ah, todos nós temos esta doença'", disse ele. "Não, não temos". No livro, ele traz um guia para libertar as pessoas de um vício que, acredita, elas nunca tiveram. É apenas uma rejeição da responsabilidade pessoal, em sua opinião.
Pesquisando sobre Nir Eyal na internet, encontrei em https://translate.google.com/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=https://en.wikipedia.org/wiki/Nir_Eyal&prev=search as seguintes informações:
"Nir Eyal é um autor, palestrante e investidor americano nascido em Israel conhecido por seu livro best-seler, Hooked: How to Build Habit-Forming Products. A experiência de Eyal é em engenharia comportamental, que incorpora elementos da ciência comportamental para permitir que os projetistas de software desenvolvam produtos de formação de hábitos para as empresas. Ele ministrou cursos universitários, discursou e publicou textos sobre como a psicologia se cruza com a tecnologia e os negócios. Eyal se manifestou contra propostas para regulamentar tecnologias de formação de hábitos, argumentando que é responsabilidade do usuário individual controlar seu próprio uso desses produtos."
E ao ler, no parágrafo acima, os trechos "engenharia comportamental" e "publicou textos sobre como a psicologia se cruza com a tecnologia e os negócios" imediatamente me vem à mente a figura de Edward Louis Bernays (1891 – 1995), sobrinho de Sigmund Freud. Por quê? Porque utilizando ideias psicanalíticas de seu tio para criar técnicas de manipulação das massas ele mostrou para as corporações americanas que poderiam direcionar a vontade das pessoas para que desejassem coisas das quais elas não precisavam, inaugurando a era do consumismo. Ele pensou tudo isso não enquanto ciência, mas enquanto uma engenharia e escreveu um livro intitulado A Engenharia do Consentimento.
Considerando que Nir Eyal nasceu em 19 de fevereiro de 1980 e Edward Bernays desencarnou em 09 de março de 1995, a possibilidade de Eyal ser a reencarnação de Bernays fica eliminada, restando apenas a certeza de que Eyal é um autêntico sucessor de Bernays. Um sucessor que deve ter lido A Engenharia do Consentimento com desmedida atenção. Nir Eyal e Edward Bernays, eis dois seres muito sinistros!
Para terminar esta já longa postagem, reflitamos um pouco sobre o seguinte trecho da reportagem de Nellie Bowles. "Eyal não acha que a tecnologia é o problema – e sim somos nós, humanos". Será que tais palavras podem ser consideradas uma variação daquele chavão repetido pelos fascinados com a tecnologia: "a tecnologia é neutra, o problema é o uso que as pessoas lhe dão"? Será que algum dia cairá por terra a propalada, e enganosa, neutralidade atribuída à tecnologia? Será que faz sentido considerar neutro algo desenvolvido usando o "cruzamento de psicologia e negócios para criar produtos formadores de hábitos"? Neutro em relação a que, cara pálida? Será que faz sentido substituir tal chavão por "a tecnologia é neutra, o problema é a intenção com que as pessoas a desenvolvem? Será que algo que é desenvolvido com determinada intenção pode ser considerado neutro?
"A tecnologia não é o problema – e sim somos nós, humanos", é o que acha Nir Eyal, "argumentando que é responsabilidade do usuário individual controlar seu próprio uso dos produtos desenvolvidos pela tecnologia.". Ou seja, os humanos a que Eyal se refere são os usuários.
Sim, "A tecnologia não é o problema – e sim somos nós, humanos", é o que eu acho, argumentando que deveria ser responsabilidade dos desenvolvedores de tecnologia controlar sua própria intenção de produzir coisas que viciem os usuários de tais coisas. Ou seja, os humanos a que me refiro são os desenvolvedores de tecnologia. Acho o "pai do 'vício nas telas'" (que não se enxerga como tal) um tremendo cara de pau. E o que é pior: uma cara de pau mal intencionado. E vocês, o que acham?

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