domingo, 3 de maio de 2020

Diante de desigualdade de acesso a atendimento, líder comunitário fala em carnificina nas favelas

Enquanto moradores de comunidades não conseguem atendimento médico, quem vive em bairros nobres tem serviço VIP de testagem
SÃO PAULO - O abismo que envolve o enfrentamento da pandemia se reflete de maneira clara em um aspecto fundamental: a capacidade de diagnóstico. Há diferença abissal no acesso de pobres e ricos aos testes. No Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo que já soma 46 mortes por coronavírus (7º no ranking da cidade), líderes comunitários relatam descaso e falta de exames.
Segundo Gilmar de Souza, presidente da Associação de Moradores do Jardim Valquíria, seus vizinhos estão sendo testados "praticamente dentro das ambulâncias, quando já saem quase entubados":
- Quando chegamos à Unidade Básica de Saúde, mandam voltar para casa, tomar dipirona para baixar a febre. Dizem que não tem teste. Quando contamos com a boa vontade de alguém, o resultado demora 20 dias. O mundo vai conhecer a maior carnificina dentro das favelas por causa do abandono do poder público.
A saga também é vivida em Paraisópolis, uma das maiores favelas da capital. Lá, moradores juntaram dinheiro para comprar 2 mil exames.
- É dinheiro da própria comunidade, de governo aqui não tem nada — lamenta Gilson Rodrigues, um dos líderes da região.
Sérgio Lima, líder comunitário no Jardim Helian, diz que na periferia se perde muito tempo sem poder confirmar o diagnóstico:
- Não existe informação precisa. Estamos contando com a sorte - diz Lima. - O prefeito diz que vai aumentar o número de covas no Itaquera. É estranho saber de tantos casos, e a solução ser o cemitério. Onde está o hospital de campanha para a Zona Leste?
Testes VIP
Até poucos dias, a ordem em São Paulo era testar apenas casos graves e profissionais de saúde. Na quinta-feira, no entanto, o governo anunciou a ampliação do programa e prometeu fazer 27 mil testes a cada um milhão de habitantes.
Enquanto a periferia ainda aguarda essa nova leva, pelo menos dez laboratórios de São Paulo oferecem serviço VIP, como coleta em domicílio e até drive thru. Os exames custam de R$ 350 a R$ 470 e ficam prontos em até 48 horas.
Semana passada, o assessor financeiro Daniel Wainstein, de 50 anos, fez o teste de coronavírus sem nem precisar sair do carro. Ele e o pai de 87 anos se examinaram em um drive thru na região do Jardins por precaução, depois que o pai passou dias internado em um hospital para se tratar de problemas cardíacos.
- Fizemos um cadastro assim que chegamos. De dentro do carro, baixamos a janela, vieram quatro profissionais com tubos de ensaio que tinham nossos nomes, colheram material do nariz e da garganta e fomos embora. Um negócio realmente muito rápido. Usei meu celular para pagar, então nem precisei encostar o dedo na máquina para digitar a senha - conta Wainstein.
Apesar da comodidade em conseguir realizar o teste ao lado do pai, o assessor lamenta a dificuldade da população em ter acesso a uma saúde pública eficaz.
- O vírus é democrático, mas o serviço à saúde não é. Estamos pagando, hoje, o preço por uma concentração de renda exacerbada, políticas sociais ineficazes e desprezo do governo federal diante da seriedade desta pandemia - critica Wainstein.
Esta é a íntegra de uma reportagem publicada em 03 de maio de 2014 no endereço https://oglobo.globo.com/sociedade/diante-de-desigualdade-de-acesso-atendimento-lider-comunitario-fala-em-carnificina-nas-favelas-24407542 com autoria atribuída a Ana Letícia Leão e Elisa Martins.
"Há diferença abissal no acesso de pobres e ricos aos testes.", diz a reportagem de Ana Letícia Leão e Elisa Martins.
Não, não é apenas no acesso aos testes para diagnosticar a contaminação pela COVID-19 que há uma diferença abissal entre pobres e ricos; e sim no acesso a tudo que seja necessário a uma vida digna. Sim, há uma diferença abissal entre a quantidade de pobres e de ricos decorrente de uma desigualdade também abissal, nesta insana sociedade (sic). Uma desigualdade que leva a um descaso, igualmente, abissal em relação à sobrevivência dos pobres. Descaso que, no meu entender, é explicável por um trecho do texto de Mauro Santayana publicado em sua coluna no Jornal do Brasil, na edição de 22 de junho de 2008, sob o título A guerra entre os ricos e os pobres, reproduzido a seguir.
"Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% de ricos restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina."
"Até sua extinção (dos pobres), mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina", diz Mauro Santayana. Será que a COVID-19 pode ser considerada como algo que veio a calhar como uma forma de extinção de pobres? – pergunto eu.
"- O vírus é democrático, mas o serviço à saúde não é. Estamos pagando, hoje, o preço por uma concentração de renda exacerbada, políticas sociais ineficazes e desprezo do governo federal diante da seriedade desta pandemia - critica Wainstein.", em uma afirmação que classifico como irretocável.

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