Quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmioCom sete palavras Fernando Henrique Cardoso reconheceu a ruína política que provocou buscando a própria reeleição: "Devo reconhecer que historicamente foi um erro".Foi mais que um erro, foi um crime, e ele sabia disso desde a primeira hora, há 25 anos.
Na noite de 11 de julho de 1995, diante do nascimento da manobra da reeleição, FHC disse ao gravador que guardava suas memórias:"Assunto delicado, acho difícil por causa da cultura política brasileira e não me comprometo a ser candidato. Vejo uma vantagem: a de que assim os outros se assustam e não lançam uma candidatura desde já."
A cultura política brasileira não tinha nada a ver com isso. Em qualquer país ou clube de futebol e em qualquer época, quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmio. Hoje, FHC diz que "tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos". OK, mas no seu artigo autocrítico ele diz que "visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a eleição é ingenuidade". Ingenuidade de quem, Grande Chefe Branco? Depois de ter praticado um ruinoso populismo cambial para ajudar sua reeleição até novembro de 1998, FHC desvalorizou o real em janeiro de 1999.Fernando Henrique Cardoso governou o país por oito anos. A ele se deve um novo tempo na economia, um padrão de moralidade pessoal e uma tolerância que hoje fazem falta. Seu ruinoso legado político foi a instituição do princípio da reeleição. Ele envenenou presidentes, governadores e prefeitos. Em 1995 FHC chegou a dizer que "não penso nisso, o sacrifício é muito grande". Pensava, queria, conseguiu, e a conta do sacrifício foi para os outros.
Enquanto o tucanato fabricava o veneno, FHC conseguiu dar a impressão de que estava acima da manobra. Tentando tirar a meia sem tirar o sapato, cortou a proposta de um referendo popular para ratificar a decisão do Congresso. Conseguiu, mas um quarto de século depois deu-se conta de que deixou o sistema político brasileiro de tamancos.Não se trata de um veneno "visto de hoje". A República brasileira resistiu a esse veneno. Nenhum presidente tentou receitá-lo, nem os da ditadura. Amparado na popularidade e no tacape do regime, o general Emílio Médici (1969-1974) poderia ter conseguido do Congresso uma prorrogação de seu mandato ou até mesmo o direito de candidatar-se numa eleição direta. Médici humilhou os çábios palacianos que armavam a manobra.
A reeleição de FHC foi a cabeça de um bicho que nasceu em 1994, quando o andar de cima, horrorizado com as pesquisas que davam a Lula 40% das preferências, encurtou o mandato presidencial de cinco para quatro anos. Essa cabeça desmiolada deu oito anos a FHC, 13 ao PT de Lula e Dilma, mais quatro ao ex-capitão Jair Bolsonaro. Que tal oito?Quando FHC diz que "historicamente" a reeleição foi um erro, embaralha seu legado. Ela era evitada porque sabia-se que era venenosa. Instituída, deu no que deu, e hoje não há vacina contra seus efeitos.Antes de entrar no Planalto, todos os candidatos dizem que são contra a reeleição. Lula e Bolsonaro diziam, mas mudaram de ideia.
"Foi mais que um erro, foi um crime, e ele sabia disso desde a primeira hora, há 25 anos.", diz Elio Gaspari.
"O projeto Realidade Brasileira e Universidade, organizado pela Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba (Aduf-PB), realizou, em sua mais recente edição, nesta terça (27.08.2019), o lançamento do livro 'O Protegido – Porque o país ignora as terras do FHC', do jornalista Alceu Luís Castilho. (...). Castilho é fundador do De Olho nos Ruralistas, um observatório sobre agronegócio no Brasil. Sua obra 'O Protegido' trata do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), dono de grandes propriedades de terra, realidade desconhecida pela maioria da população brasileira. 'Há um silêncio sobre Fernando Henrique que é um dos motivos do livro se chamar 'O protegido'. É protegido pela Justiça e pela imprensa'."
"Quando FHC diz que 'historicamente' a reeleição foi um erro, embaralha seu legado. Ela era evitada porque sabia-se que era venenosa. Instituída, deu no que deu, e hoje não há vacina contra seus efeitos."
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