terça-feira, 15 de março de 2011

Recompensa alta, desempenho baixo

“Se o bônus prometido pela empresa é grande demais, os resultados do profissional ficam aquém do esperado. O best-seller Dan Ariely explica por quê

Seu desempenho será melhor com um bônus de três salários? E se a empresa lhe prometer 13, será ainda melhor? O americano Dan Ariely, autor do best-seller Positivamente Irracional e professor da Duke University, provou que não. Especialista em economia comportamental, ele explica que a perspectiva de uma enorme recompensa atormenta a mente do indivíduo e prejudica sua produção. Ariely argumenta que o prêmio extravagante absorve excessivamente a atenção dos premiados em potencial. Muitos ficam dispersos, imaginando o que farão com o dinheiro. Foi o que mostrou um experimento na sua universidade. Nem 20% dos participantes com a promessa de um grande bônus tiveram bom desempenho. Ariely explica que o efeito negativo de um prêmio exagerado é proporcional ao nível de concentração e raciocínio exigido pela atividade.

Em outra pesquisa, ele investigou a importância do sentido do trabalho para o profissional. Ele recrutou voluntários para montar robôs feitos com lego. O desempenho dos participantes que observaram suas montagens serem destruídas pelo pesquisador não chegou a 70% do alcançado pelos que viram seus legos intactos. Perceber que seu esforço não tinha valor algum desmotivava os voluntários. Só um detalhe: todos sabiam que o brinquedo seria desconstruído em algum momento. Irracional? Sim, mas deveria levar os gestores à reflexão.”

Esta é uma reportagem de Karla Spotorno, publicada na edição de março da revista Época Negócios.

Mais uma coincidência! Enquanto eu redigia o texto Sede de Sentido para o blog Espalhando ideias, era publicada uma reportagem que fala sobre a importância do sentido do trabalho para o profissional. Dá para persistir na ignorância de que tudo está ligado?

O segundo parágrafo da reportagem tem tudo a ver com a Sede de Sentido. Interessante – e preocupante - é perceber que entre a redação dos dois textos há um intervalo de trinta e oito anos. Existem coisas muito difíceis de serem notadas, mas não impossíveis. E cuja percepção é imprescindível.

Segundo Dan Ariely, perceber que seu esforço não tem valor algum desmotivava os voluntários. Sou um exemplo de tal afirmação. Usei a opção da aposentadoria, por não conseguir mais fazer coisas nas quais não enxergava valor algum. E Horst Tappert, ator e supervisor aposentado, é outro. É dele o seguinte questionamento: Eu me perguntei se esse era o sentido da vida: levantar às cinco da manhã e chegar a casa às sete da noite apesar de o serviço não me satisfazer em nada.

Sobre a opinião de Dan Ariely a respeito do bônus prometido como recompensa, penso o seguinte. Para tudo na vida existe uma quantidade ótima. Abaixo é insuficiente e acima é excessiva. O bônus não deve levar o profissional a desinteressar-se dele tampouco do trabalho, ficando exclusivamente concentrado no que fará com a recompensa.

Concordo com ele quando diz que tal situação deveria levar os gestores à reflexão. O problema é que refletir é incompatível com as duas práticas de gestão mais comuns: correr atrás e apagar incêndios. Correr impede de pensar e apagar incêndios queima a possibilidade de refletir.

2 comentários:

Michelito disse...

Guedes,
A motivação é individual, está dentro de nós e ninguém pode tira-la.
Os gestores tem ferramentas para estimula-la, mas na minha opinião essas ferramentas não estão sendo utilizadas como deveriam. Em alguns casos eles erram na medida como você citou.
Quando a recompensa depende apenas do seu desempenho e todos que atingirem a meta receberam a mesma recompensa, isso pode ser positivo para o ambiente de trabalho, pois todos estarão se empenhando para atigir um objetivo comum.
Normalmente o que ocorre é que nem todos podem ser contemplados e que existe uma espécie de ranking para premiação e é ai que mora o perigo.
Essa competição para ficar no topo do ranking é que acaba com a ambiência no trabalho, as pessoas passam a se tratar como inimigas e competem o tempo todo e ai o objetivo comum as vezes não é alcançado apesar de cada um cumprir a sua meta individual.
É muito difícil conviver em um ambiente em que existem pessoas que estão dispostas a fazer o que precisa ser feito e pessoas que vem para fazer o que lhe é solicitado e que querem apenas receber a sua remuneração.
Atualmente estou motivado a gerar mudanças e isso ninguém me tira, a recompensa será ver que eu incomodei e ter a certeza de que eu fiz a minha parte.

Guedes disse...

Amigo Michelito,

Sim, motivação é algo inerente ao indivíduo e que ninguém pode tirar tampouco colocar. Tanto as pessoas quanto os gestores – que também são pessoas, embora muitos deles esqueçam disto - costumam confundir motivação com incentivo e estímulo.
Aliás, gestores confundem muitas coisas. Falam em desenvolvimento de equipes e estabelecem recompensas individuais. Equipes têm objetivos comuns, indivíduos têm objetivos pessoais. Equipes desenvolvem cooperação, indivíduos participam de competição. E, como você diz, tal competição deteriora o ambiente de trabalho.
Gestores fazem pesquisas de ambiência que revelam a insatisfação com o ambiente de trabalho. E aí, eles se confundem novamente. Interpretam os resultados como uma ofensa pessoal a eles e não como uma oportunidade de corrigir os erros e melhorar o ambiente de trabalho. Nossa! Que seres confusos!
Sim, é muito difícil conviver em ambientes onde existem pessoas que se dispõem a fazer o que precisa ser feito – e com capricho – e outras que fazem apenas o que lhe é solicitado – e sem capricho, apenas para se livrar das tarefas. E outras mais que “jogam para a torcida” e que vivem de uma ou outra jogada “de efeito” que não resultam em nada de útil, mas que lhes dão prestígio, pois satisfazem as idiossincrasias.
Você diz estar motivado a gerar mudanças e que isso ninguém lhe tira. Diz também que a recompensa será ver que incomodou e ter a certeza de ter feito a sua parte.
Sim, ninguém lhe tirará a motivação, pois concordo com você que isto é algo que não pode ser tirado.
Sua atitude é idêntica a que eu tive durante os trinta e cinco anos, nove meses e dez dias de permanência na Petrobras. A minha maior recompensa sempre foi a satisfação dos usuários com a qualidade dos trabalhos que para eles realizei e a amizade deles. Saber que incomodava por pretender fazer não o que era possível, e sim o que, realmente, precisava ser feito também me recompensava bastante. Sempre tive a certeza de ter feito – e bem – a minha parte.
E saí porque eu não incomodava mais. De nada adiantava eu querer trabalhar direito, pois a mentalidade reinante diz que “o ótimo é inimigo do bom”, ou seja, de nada adianta querer fazer o melhor, pois basta fazer o que é possível. E sobre isto eu tenho a seguinte opinião: De tanto fazer apenas o que é possível no momento chegará o momento em que será impossível fazer alguma coisa.
Abraços,
Guedes