“Especialista em moral fala sobre exemplo dos pais e falhas das escolas no ensino da ética
“Como uma criança enxerga os costumes e as atitudes de seus pais e professores? O especialista em psicologia moral Yves de La Taile mostra as impressões de um garoto sobre a ética do mundo adulto em seu novo livro, Ética para meus pais (Editora Papirus, 272 páginas, R$ 45), lançado neste mês. As histórias cotidianas contadas pelo personagem principal refletem a sensibilidade de uma criança para os desvios e as contradições éticas e morais dos adultos – ela vê, registra e usa essas falhas para construir seus próprios costumes. Para os pais, o desafio é ensinar pelo exemplo. Para as escolas, ainda faltam estratégias adequadas para ensinar ética.
Época – Isso significa que a ética é aprendida pelo exemplo dos pais?La Taile – Dos pais e da escola. No livro, ética tem um sentido global, e não o tradicional, só voltado para o bem e para o mal. Ética são costumes, e costumes não nascem inscritos no DNA de ninguém, por isso as influências sociais são essenciais na formação ética e moral. Para a criança, essas influências vêm da família e da escola.
Época – Há uma receita que garanta que os filhos aprendam ética e moral?La Taile – Não. O principal que os pais devem ter em mente é que crianças são extremamente observadoras. Elas olham muito, apesar de ainda não serem capazes de raciocinar ou fazer deduções com aquilo que estão vendo. O comportamento dos pais, portanto, é essencial. Principalmente porque, desde pequenos, os filhos percebem as contradições entre o discurso dos pais e sua prática. Eles notam as contradições éticas. E isso fica lá guardado com a criança, que constrói, em cima disso, seus próprios costumes e atitudes.
Época – Há alguma passagem do livro que exemplifica isso?La Taile – A da festa de aniversário de Tomás, organizada pelos pais em um bufê infantil caro, com muitos convidados (o personagem pediu para os pais uma festa em casa, para convidar apenas seus três melhores amigos. Mas os pais acharam “muito pouco”). Ele não se divertiu na própria festa, não gostou. Ele tem a sensibilidade para não gostar, mas não racionaliza isso, ou seja, não sabe dizer o porquê.
Época – O que vemos nas escolas brasileiras são campanhas pontuais para combater o bullying ou para falar sobre ética. Isso funciona?La Taile – Tem efeito zero – ou até perverso, porque passa a ideia de que, se é assunto para uma campanha, então não precisamos olhar para isso no dia a dia. Muitos trabalhos bem feitos sobre o tema também são projetos ou iniciativas individuais de professores. Não funciona. Claro, é melhor ter isso do que não fazer nada, mas a ética é cotidiana, tem de ser trabalhada o tempo inteiro. Não se trata de criar uma disciplina específica para isso. O que a escola, como instituição, tem de cuidar é do convívio diário entre alunos e professores.”
Estes são alguns trechos de uma entrevista feita por Camila Guimarães, publicada na revista Época na edição de 2 de maio de 2011.
“Desde pequenos, os filhos percebem as contradições entre o discurso dos pais e sua prática.”
Quando dois dos meus filhos eram pequenos, passei pela seguinte situação. Em uma tarde recreativa, uma pessoa da família proibiu as filhas de entrarem na piscina logo após o almoço, alegando que aquilo fazia mal. Ao vê-la entrar na piscina, falei que estava sendo incoerente com o que dissera e ela respondeu algo mais ou menos assim: “Você conhece aquele ditado? ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.’” Então eu respondi que conhecia sim e que aquele é um dos ditados mais estúpidos que existem. A pessoa em questão é formada em pedagogia!
“(...) A festa de aniversário, organizada pelos pais em um bufê infantil caro, com muitos convidados (o personagem pediu para os pais uma festa em casa, para convidar apenas seus três melhores amigos. Mas os pais acharam “muito pouco”). Ele não se divertiu na própria festa, não gostou.”
É interessante – e lamentável – a capacidade dos pais para desperdiçar oportunidades de atender algumas boas ideias dos filhos. Por que deixar de comemorar um aniversário da forma desejada pelo filho? Porque, em uma sociedade exibicionista, mais do que agradar a quem dizemos estar homenageando, as festas visam uma exibição dos organizadores perante os seus convidados.
“(...) se é assunto para uma campanha, então não precisamos olhar para isso no dia a dia.(...) mas a ética é cotidiana, tem de ser trabalhada o tempo inteiro.”
Essa é outra das grandes dificuldades para melhorar a sociedade: a crença no efeito de campanhas. Efeitos duradouros jamais serão produzidos por campanhas, mas apenas por atividades cotidianas, durante o tempo inteiro. Acreditar em campanhas é mais uma manifestação de outra lamentável crença: Me engana que eu gosto.
Termino esta postagem citando uma coincidência. Na última página da revista o texto da colunista Ruth de Aquino é intitulado O bullying do Senado. E o tradicional trecho em destaque é o seguinte:
“Oito senadores indicados para a Comissão de Ética estão enrolados na Justiça. É uma tapa na cara da nação”
Esses oito senadores entendem muito mais de comissão do que de ética.
Se alguém desejar a íntegra da entrevista solicite através do Se quiser me escrever e eu enviarei por e-mail.
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