“‘Nada sobrevive só com segurança. É hora de investimentos sociais’
Após a pacificação de 17 favelas cariocas, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, alerta que o sucesso do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) depende agora de investimentos maciços na área social e cobra o envolvimento de empresas e órgãos públicos. Sempre discreto, Beltrame atualmente se mostra angustiado e um pouco aborrecido: ‘Nada sobrevive só com segurança. Não será um policial com um fuzil na entrada de uma favela que vai segurar, se lá dentro as coisas não funcionarem. É hora de investimentos sociais’, disse o secretário a Elenilce Bottari e Liane Gonçalves. Beltrame admite estar cansado de esperar os investimentos, mas garante que ‘não vai jogar a toalha’.”
(...)
“O senhor não acredita então que as UPPs estejam garantidas?
Beltrame: Se não houver investimentos maciços na dignidade dos cidadãos, na geração de perspectivas para aquelas pessoas, não digo que o programa vá dar errado, mas não é a polícia que vai garantir o sucesso de tudo isso. A UPP criou um ambiente para a sociedade começar a pagar a dívida que todos temos com essas áreas até então excluídas.”
Esta é a manchete da edição de 29 de maio do jornal O Globo.
Está aí uma notícia que devia provocar muitas reflexões em todos nós. Concordo inteiramente com as palavras do secretário de Segurança. E o que está numa encruzilhada não são apenas as UPPs, mas toda a sociedade. Acreditemos ou não (isso é problema nosso), no universo tudo está ligado e o que ocorre em um ponto propaga-se para outros; é apenas uma questão de tempo. Portanto, o assunto da reportagem deveria nos interessar.
O secretário diz que são necessários investimentos sociais. Nada mais óbvio; nada mais negligenciado. Algo típico de uma sociedade que segue o lema “me engana que eu gosto”. E que, aliás, nem precisa ser enganada, pois ela própria se engana. Acredita que com atuação policial é possível dispensar investimentos sociais. É muita falta de noção! Pensem comigo. O primeiro significado da palavra social é: “da sociedade”. Portanto, faz sentido existir uma sociedade que não se interesse por investimentos sociais? Para mim não.
O secretário também diz que nada sobrevive só com segurança. Perfeito. Até porque segurança não é algo perene e precisa constantemente ser aumentada, pois os fatores provocadores de insegurança são variáveis e a cada dia em maior quantidade. Um problema sério neste assunto é o equívoco na classificação da insegurança. Ela é tratada como causa dos nossos problemas, mas, na verdade, ela é um efeito. A causa é o descaso com as ações sociais. E problemas só podem ser resolvidos eliminando as causas e de nada adianta apenas atacar os efeitos.
Mais uma vez são perfeitas as palavras do secretário de Segurança:
“A UPP criou um ambiente para a sociedade começar a pagar a dívida que todos temos com essas áreas até então excluídas.”
A UPP (segurança) apenas criou um ambiente para que as ações sociais possam ocorrer. Sou fã deste secretário de Segurança. Vejam que palavras sábias:
(... ) a sociedade começar a pagar a dívida que todos temos com essas áreas até então excluídas.
Será que ele leu O Profeta de Khalil Gibran? No capítulo que fala do crime e do castigo há o seguinte trecho:
“E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira, assim o malfeitor não pode agir mal sem o secreto consentimento de todos vós.”
Segurança não resulta apenas do combate à criminalidade e sim da inexistência de delinquência. Há uma frase que diz:
“Cidade limpa não é a que mais se varre e sim a que menos se suja.”
Que tal a seguinte paráfrase?
“Cidade segura não é a que mais se prende e sim a que menos se delinque”.
Portanto, é hora de a sociedade começar a pagar a dívida que todos temos com essas áreas até então excluídas e gerar perspectivas para aquelas pessoas que, se nada for feito, enveredarão pela delinquência.
Para terminar, deixo aqui dois lembretes.
1. Encruzilhada é algo que requer uma decisão sobre qual caminho seguir.
2. O lugar onde se chega é sempre consequência do caminho escolhido.
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