quarta-feira, 29 de junho de 2011

Quantidade não se traduz em qualidade

Volume de teses e artigos é grande, mas impacto, pequeno
O número de títulos conferidos pela USP não atrai só elogios. Para alguns pesquisadores, deveria levar gestores públicos a um exame de consciência. A ciência do País – em geral – e a da maior universidade da América Latina – em particular – ainda têm impacto tímido no cenário mundial.
A USP é responsável por 25% da produção acadêmica nacional. Forma um porcentual semelhante dos doutores no País. Mas não alcança posições empolgantes nos principais rankings internacionais.
(...) Para o físico José Goldemberg, que construiu sua carreira na universidade, é preciso fazer com que a quantidade de teses e artigos científicos se transforme em qualidade. ‘Publicar muito não significa publicar bem’, resume.
Sérgio Ferreira, do Departamento de Farmacologia, em Ribeirão Preto, destaca que muitas teses de doutorado não podem ser consideradas ciência. ‘Não devemos confundir pesquisa com pós-graduação’, aponta o cientista, que realizou estudos importantes na área de analgésicos anti-inflamatórios. ‘Quando você obriga um estudante a publicar vários papers em um período curto, ele pode publicar porcaria. É o caso da maioria dos trabalhos brasileiros. Só foram feitos para cumprir uma demanda burocrática. Mas isso não é ciência: é burocracia’.
O biólogo Marcelo Hermes Lima, da Universidade de Brasília (UnB), vai mais longe. ‘Metade da produção científica nacional é lixo’, afirma, sem rodeios. ‘Não acredito que o número de pessoas interessadas em fazer ciência cresceu. O que aumentou foi o número de pessoas atrás de um título para enfeitar o currículo’. Ele atribui o aumento no número de mestres e doutores no País a uma política ‘fast food’ para julgar produção acadêmica e conferir títulos. Coeditor da revista científica PLoSOne, argumenta que ninguém é reprovado nas bancas de mestrado e doutorado. ‘Não é academicamente honesto. Os avaliadores são escolhidos para garantir a aprovação’, critica.”
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Mariana Mandelli e Alexandre Gonçalves, publicada na edição de 19 de junho de 2011 do jornal O Estado de S. Paulo.

Esta reportagem tem algo em comum com a anterior publicada neste blog. Foi publicada no mesmo dia (em jornais diferentes) e focaliza o tema quantidade versus qualidade. Sim, entre quantidade e qualidade versus cai muito bem, pois, geralmente, são duas coisas reciprocamente exclusivas e optar por uma significa abrir mão da outra. Concordo com o que diz Sérgio Ferreira na reportagem:
“Quando você obriga um estudante a publicar vários papers em um período curto, ele pode publicar porcaria. É o caso da maioria dos trabalhos brasileiros. Só foram feitos para cumprir uma demanda burocrática. Mas isso não é ciência: é burocracia.”
A qualidade do que é produzido requer esmero na produção enquanto a quantidade requer encurtamento do tempo dedicado à produção e quando o tempo encolhe a primeira coisa abandonada é o esmero. A afirmação de Sérgio Ferreira toca em outra coisa, além da quantidade, que compromete a qualidade. É o fato de se fazer algo apenas por obrigação. Quem trabalha desta forma não tem esmero no que faz e, consequentemente, não acrescenta qualidade ao que produz.

O biólogo Marcelo Hermes Lima, da Universidade de Brasília (UnB), vai mais longe:
“Não acredito que o número de pessoas interessadas em fazer ciência cresceu. O que aumentou foi o número de pessoas atrás de um título para enfeitar o currículo.”
E eu vou mais longe ainda. O que foi dito em relação às universidades vale para a maioria das empresas. Cada vez mais interessadas em altos indicadores de produção (quantidade) elas deixaram não de lado, mas para trás o interesse pela qualidade. Para aumentar tais indicadores os empregados são obrigados a fazer coisas nas quais não vêem nenhum sentido e as fazem apenas em troca do salário. Coisas feitas apenas para cumprir uma demanda burocrática e ordens de superiores hierárquicos. Afinal, na maioria das empresas, existe a seguinte máxima: “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Infelizmente, ter juízo é insuficiente para fazer algo com qualidade, pois esta requer que se veja sentido naquilo que se faz.

Adaptada para explicar o que ocorre nas empresas, a afirmação de Marcelo Hermes Lima fica assim:
“Não acredito que o número de pessoas interessadas em trabalhar com qualidade cresceu. O que aumentou foi o número de pessoas atrás de um título para enfeitar o currículo.”
Hoje o que se vê nas empresas é uma corrida desenfreada em busca de certificações. Para quem nunca trabalhou em uma empresa aqui vai uma breve explicação. Certificações são títulos concedidos por determinadas instituições. A maioria deles é identificada por siglas iniciadas pela letra P: PMP (Project Management Professional), PMO (Project Management Office) e por aí vai. Cada certificação desperta a necessidade (sic) de obter outra e o profissional passa a vida se certificando. É um eterno vir a ser sem nunca chegar a ser coisa alguma. Os profissionais vão colecionando certificações de Pisto, Paquilo e acabam tornando-se PPN, ou seja, Profissionais de P.... Nenhuma. Falo isto com conhecimento de causa, pois atuei durante longo no teatro corporativo. Bem..., fiquemos por aqui para que a quantidade de palavras não comprometa alguma qualidade que este texto possa ter.

3 comentários:

Ivan Maia disse...

Guedes,

Tive que dividir o comentário em duas partes, pois o espaço reservado para comentário é de apenas 4096 caracteres...

Parte 1:

Na minha opinião, este problema da quantidade de pesquisas vs. a baixa qualidade (seria realmente um problema?) se deve ao seguinte:

1 - As instituições precisam de verba para se manterem.
2 - Para isso precisam manter seus cursos.
3 - Para manter estes cursos, dependem da avaliação do MEC.
4 - Ocorre que o principal critério de avaliação é a quantidade de publicações. A instituição que mais publicar é a que será melhor avaliada e será aquela que potencialmente receberá a maior verba para manter a sua "Produtividade".

Contudo, creio que esta estratégia pode surtir algum efeito positivo, é verdade que pode ser pouco eficiente, uma vez que demanda mais trabalho para produzir o resultado esperado, mas pode ser eficaz. Explico:

Quanto mais artigos e pesquisas forem realizadas maior será a chance de se produzir algo que seja realmente importante. O "Lixo excedente" entra para a estatística...

Alguns exemplos de pesquisas desenvolvidas por brasileiros:

http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=ordem-que-impera-no-caos&id=010150110601
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=solvente-universal-dissolve-qualquer-coisa&id=010160110615
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=bioquerosene-aviacao&id=010115110613
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=tecnica-fabricacao-nanocanais&id=010165110608
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=colisao-aglomerados-galaxias&id=020130110622
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=antimateria-armazenamento-recorde&id=010115110606

Sds,

Ivan Maia

Ivan Maia disse...

Parte 2:


Em relação ao que você chama de teatro corporativo. Acredito que essas são as regras do jogo, e a principal delas é que não há regra definitiva, pois elas vão se inventando e se modificando ao longo do tempo até mesmo para que sejam criadas indústrias como por exemplo a da certificação. O gozado é que muitas dessas regras têm origem na produção acadêmica de qualidade, que está sempre procurando "melhorar", "otimizar" ou "aperfeiçoar" a forma como as coisas são feitas.

Na minha percepção, no ramo da administração e de TIC, a maioria das novas "ideias" tem origem na produção acadêmica lá de fora. Isto significa que a baixa qualidade não seria um problema apenas nacional, mas global?

Em relação ao modismo da certificação: Tenho certificação em Java sem nunca ter programado nessa linguagem. Então, para que serve uma certificação? Para demonstrar que você consegue aprender todas aquelas teorias? E a prática?

Bem, por outro lado, percebo que para algumas certificações é exigido a comprovação da prática, o que confere maior qualidade ao certificado.

Cabe às empresas utilizar melhor todo esse "conhecimento" que atualmente são exigidos dos profissionais.

Um exemplo de como utilizar melhor esse conhecimento, ou seja utilizar com qualidade, seria justamente a implantação de sistemas de qualidade realmente preocupados com a qualidade, e não apenas com o título ISOXXXXX. Muitas empresas implementam sistemas de qualidade apenas para obter o título, mas esquecem do objetivo principal que seria melhorar a qualidade. Daí, os funcionários precisam fazer de tudo para manter os indicadores verdinhos, mesmo que esse "fazer de tudo" implique em perda da qualidade (Mas que contradição!). Pois dentro desse cenário, a qualidade real não importa mais, o que realmente importa é manter os indicadores verdinhos.

Disseram no rádio que será implantado um sistema de qualidade no SUS, com metas e indicadores de qualidade. A idéia é realmente muito boa. Espero que este programa do governo federal seja realmente eficiente e eficaz (e eu ainda me iludo!), do contrário, teremos um painel de indicadores de saúde, todo verdinho (todo lindo"), enquanto nos hospitais públicos e UPAs da vida, teremos o vermelho do sangue dos pobres coitados que dependem desse sistema corrupto e falido.

E ainda veremos na televisão, os gestores argumentando que os indicadores melhoraram em 2,5% nos últimos 3 anos, que era muito pior antes da implantação do sistema de qualidade, blá, blá, blá...

Foram regulamentados os diversos indicadores de qualidade que os centros de tele-atendimento devem seguir aqui no Brasil. Pois bem, até agora não percebi nenhuma melhora no atendimento (alguém percebeu alguma melhora?). Continuo tendo problemas sem solução, principalmente com as operadoras de telefonia...
Mas aposto que os indicadores do programa de qualidade deles está lá: Verdinho e Lindo!

Desculpe por eventuais erros que possam ter prejudicado a qualidade da resposta.

Sds,

Ivan Maia

Guedes disse...

Amigo Ivan Maia,

Creio que a sua descrição de como funciona a distribuição de verbas para pesquisas nas universidades brasileiras esteja correta, mas não concordo que esteja correto tal funcionamento. Distribuir verbas levando em conta apenas a quantidade produzida, sem considerar a qualidade, é um autêntico convite ao desperdício. Convite que, geralmente, é aceito. Não concordo que a “melhor prática” de produção seja incentivar o aumento para “estatisticamente” obter algo que preste. No meu entender, isto é desperdício.

Saindo das universidades e indo para o teatro corporativo digo o seguinte. O desperdício citado acima me lembra algo que acontece em relação ao orçamento de determinadas empresas. Com a finalidade de não ter a verba do ano seguinte diminuída, as empresas “torram” o orçamento daquele ano com coisas desnecessárias. Na minha opinião, é a mesma ideia da manutenção do recebimento de verbas independentemente do uso que delas se faça.

Ainda em relação ao teatro corporativo, em função do que você diz, quero acrescentar o seguinte. Concordo quando você diz que nele não existem regras definitivas e que elas vão sendo inventadas até mesmo para possibilitar a criação de indústrias como a das certificações. Mas discordo quando você diz que elas estão sempre procurando "melhorar", "otimizar" ou "aperfeiçoar" a forma como as coisas são feitas. Discordo não em teoria, mas com base no que vejo. É impossível fazer tanta bobagem se as intenções forem, realmente, aquelas apontadas por você. Não sei porquê lembrei da seguinte frase do Dr. Laurence J. Peter:

“Em minha busca da verdade, tenho envidado esforços para compreender as misteriosas razões pelas quais tantas coisas saem erradas, embora raramente eu consiga distinguir se uma clara manifestação de incompetência resulta do sincero esforço de um dedicado pateta ou do embuste de um espertalhão.”

Em relação ao que você chama de modismo e de indústria das certificações digo o seguinte. Tal indústria é uma das grandes colaboradoras para a supremacia da quantidade em detrimento da qualidade. O que são certificações? São uma espécie de títulos vendidos por determinadas instituições, a preços nada módicos, atestando que profissionais sabem fazer bem algo que jamais fizeram. Confere com o que você diz sobre a sua certificação na linguagem Java? O resultado do modismo das certificações pode ser visto na resposta que dou a sua pergunta: “Para que serve uma certificação?”. No meu entender, para viabilizar os “re”s. Ou seja, a partir de “re”clamações, “re”alizar “re”trabalhos e com eles obter “re”ceitas.

Você diz que “muitas empresas implementam sistemas de qualidade apenas para obter o título, mas esquecem do objetivo principal que seria melhorar a qualidade. Daí, os funcionários precisam fazer de tudo para manter os indicadores verdinhos, mesmo que esse "fazer de tudo" implique em perda da qualidade (Mas que contradição!). Pois dentro desse cenário, a qualidade real não importa mais, o que realmente importa é manter os indicadores verdinhos.” Também são suas as palavras: “Em relação ao que você chama de teatro corporativo. (...)” E aí, sou eu quem pergunta: Faz sentido eu usar a expressão teatro corporativo?

Quanto aos indicadores de qualidade concordo plenamente com o que você diz: “Dentro desse cenário, a qualidade real não importa mais, o que realmente importa é manter os indicadores verdinhos.”. Agir assim deveria deixar qualquer um vermelho de vergonha, mas os defensores de tal cenário não estão nem aí.

Desculpe-me pela demora em lhe responder. Estava tentando encontrar um jeito de escrever de modo que a quantidade de palavras não prejudicasse a qualidade da resposta. Não sei se consegui, mas tentei.

Um abraço,
Guedes