Afastamentos do trabalho por uso de drogas sobem 22%

Entre executivos, 15% recorrem a sedativos e estimulantes, diz pesquisa; líderes evitam expor fragilidade na empresa

Imagem de herói que alto escalão cultua na empresa evita que se fale do problema dentro das corporações

“Há quatro meses, Daniel Meana, 33, levou um ultimato dos donos da empresa que gerencia: ou parava de usar drogas ou seria demitido. Ele prometeu deixar o vício. A doença, no entanto, foi mais forte, desabafa Meana. Gastou R$ 900 de um adiantamento em menos de um dia – saiu da companhia às 14h de sábado e voltou para casa às 2h de domingo. ‘Fiquei bebendo cerveja e cheirando cocaína’, lembra. A perda de controle gerada pela experiência e uma briga o fizeram parar. O profissional decidiu buscar ajuda em clínica de reabilitação. Depois de um mês internado, voltou à empresa e teve seu cargo de volta. O rendimento profissional melhorou tanto que recebeu aumento.

Histórias como a do gerente têm se repetido no Brasil. No primeiro semestre de 2011, 21.273 trabalhadores foram afastados de seus postos para tratar transtornos causados pelo uso de substâncias psicoativas – que agem no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição. O número representa crescimento de 22% em relação ao mesmo período de 2010 (17.454).

Competição

Competitividade, pressão por resultados e solidão são uma combinação explosiva entre executivos. Com receio de perder o posto e impelidos a trazer retorno para a companhia, muitos escondem o uso de drogas – sejam ansiolíticos sejam drogas ilícitas.

‘O executivo é muito solitário, e o ambiente é bem competitivo. A demonstração de fraqueza é duramente tratada’, afirma Antonio Carlos Worms Till, da Vita Check-Up.

Pressão

Não são apenas os altos executivos de empresas que têm medo de expor fragilidades no ambiente de trabalho. Em segredo, a advogada P.W., 34, internou-se em uma clínica há dez meses. Ela tentava se livrar dos problemas com o consumo de drogas como cocaína e ecstasy. Durante os 20 dias em que ficou internada, teve que ‘implorar para trabalhar, para não perder prazos importantes em processos’. ‘Tem gente que fuma crack e é presidente de empresa – e não o estereótipo do sujeito caído na rua. Muitos não pedem ajuda por causa da visão estereotipada de que quem se droga não tem trabalho.

Tensão em excesso leva a abuso de remédio

Estresse e tensão no trabalho são dois dos detonadores do consumo de medicamentos controlados, como ansiolíticos e de drogas ilícitas.

(...) Segundo Alexandrina Meleiro, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de são Paulo, drogas como cocaína e maconha são usadas para criar distanciamento dos problemas e das pressões no trabalho. Esteroides, anfetaminas, ansiolíticos e analgésicos complementa Meleiro, são adotados pelos profissionais para aumentar o rendimento. Todos eles podem viciar, diz ela.

Estes são alguns trechos de uma reportagem de Marcos de Vasconcellos, publicada na edição de 17 de julho de 2011 do jornal Folha de São Paulo.

Para criar distanciamento dos problemas e das pressões no trabalho, as pessoas aproximam-se de drogas e acabam afastadas do trabalho. Mas quando teria começado essa história de distanciamento, aproximação e afastamento? Em minha opinião, tudo começou no momento em que as empresas afastaram-se do aspecto social que outrora tiveram e começaram a aproximar-se da ideia de que sua razão de ser seja o crescente lucro dos acionistas. Daí para a implementação da insana competitividade hoje reinante creio que não tenha havido um grande distanciamento no tempo. Estranharam a expressão insana competitividade? Então, vejam o que diz Humberto Maturana, doutor em alguns ramos da biologia, sobre competição.

“Não existe competição sadia. A competição é um fenômeno cultural e humano e não constituinte do biológico”.

É um enorme erro aceitar a apologia da competitividade, pois jamais haverá ambiente sadio em empresas onde ela vigore. Competitividade, pressão por resultados e solidão são uma combinação explosiva entre executivos, diz a reportagem de Marcos de Vasconcellos. Combinação que contribui para que executivos e demais profissionais aproximem-se de ansiolíticos e de drogas ilícitas e sejam afastados de suas atividades profissionais. E aí, pela lei do encadeamento de desgraças, chega-se a outro afastamento: o da possibilidade de construirmos uma boa sociedade. É de um livro intitulado Magia & Gestão de Geraldo R. Caravantes e Wesley E. Bjur, a seguinte passagem.

“A boa sociedade não é uma dádiva, mas trata-se de um processo de construção coletivo, em que as boas organizações (lembre-se de que vivemos em uma sociedade organizacional) serão seus esteios. Por outro lado, entendem os autores que estas ficções legais, que chamamos organizações, são decorrência, por sua vez, de indivíduos que nelas atuam e, muito especialmente de suas lideranças. Ou, raciocinando pelo inverso: não vemos como obter uma sociedade saudável sem organizações saudáveis; nem tampouco organizações com alto desempenho, povoadas por indivíduos infelizes, subutilizados, impossibilitados de preencherem seu potencial.”

Portanto, o afastamento do trabalho por uso de drogas é muito mais sério do que possa parecer, pois ele afeta não apenas os que se drogam; ele contribui de forma contundente para criar uma droga de sociedade.

Se alguém quiser ler mais sobre competitividade poderá fazê-lo no blog Espalhando ideias. No dia 7 deste mês, foi publicada uma postagem intitulada A competitividade nossa de todos os dias.