segunda-feira, 9 de abril de 2012

A ganância dos bancos em toda a sua glória

"Sincericídio. Mescla de 'sinceridade' e 'suicídio', o termo, não reconhecido pelos dicionários, refere-se a uma das práticas mais perigosas do mundo corporativo, a de falar a verdade. Greg Smith, ex-executivo do banco de investimentos Goldman Sachs cometeu um sincericídio, na quarta-feira 14, ao discutir, no jornal The New York Times, as razões de pedir demissão após uma carreira meteórica de 12 anos no banco. Smith começou como trainee e, até pedir para sair, chefiava as operações em Londres. Geria U$ 1 trilhão em dinheiro de clientes e liderava as operações na Europa, África e Oriente Médio. Agora, ele terá bastante dificuldade em conseguir um novo emprego no sistema, exceto se abrir o próprio negócio.
O que motivou essa decisão? Sua coluna é esclarecedora. 'Nos meus 12 anos de banco, observei uma mudança de cultura, e o ambiente no banco tornou-se tóxico e destrutivo como nunca', escreveu ele. 'Já não pensamos mais em como atender nossos clientes, mas sim em como tirar o máximo de dinheiro deles o mais depressa possível'. Smith era responsável pelo recrutamento e orientação dos novos funcionários do banco, os poucos felizardos entre milhares de candidatos que conseguiam superar o severíssimo processo seletivo. 'Eu já não conseguia olhar aqueles jovens nos olhos e dizer como era bom e recompensador trabalhar na Goldman Sachs'. Segundo ele, os principais executivos do banco referiam-se aos clientes como 'fantoches'. Boa parte das atividades do dia a dia consiste em empurrar para a seleta freguesia produtos que o próprio banco não considerava lucrativos ou forçar os clientes a comprar e vender ativos financeiros de que não precisam, só para gerar comissões. O Goldman, claro, refutou as acusações de Smith e negou que tais valores façam parte de sua cultura corporativa.
Ninguém que conheça Wall Street pode dizer que a avaliação de Smith é exagerada ou distorcida pelo rancor. A reação dos bancos aos pacotes de ajuda governamentais foi de uma clareza olímpica. Ameaçando as autoridades com o caos decorrente de suas quebras, os bancos extorquiram bilhões dos contribuintes. Parte das perdas foi coberta e os bônus dos executivos financeiros referentes a 2008 e 2009 permaneceram intactos. E esse é só mais um item em uma longa lista de peraltices.
Os questionamentos sobre a ética dos bancos são antigos. Vêm desde os escândalos com 'junk bonds' da década de 80 do século passado. Passam pelas distorções anteriores ao estouro da bolha da internet - quem não se lembra dos analistas que diziam a seus clientes para comprar ações de empresas pontocom chamadas de 'lixo' (ou pior) em memorandos internos? E, mais recentemente, chegam à crise dos empréstimos subprime, em que títulos sabidamente podres eram vendidos a incautos como moeda sonante, com a benção das agências de classificação de risco.
A ganância é inerente ao sistema financeiro. Em última instância, é ela quem garante o giro das engrenagens do dinheiro, pois profissionais gananciosos estão dispostos a inovar e a correr riscos para aumentar seus lucros. No entanto, em um mercado financeiro cada vez mais sofisticado, alavancado e desregulamentado, ela não pode ser o limite da irresponsabilidade dos executivos bancários - a 'ganância infecciosa' a que se referiu Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, em 2005. Assim, à sinceridade causticante de Greg Smith cabe responder: é por isso que as autoridades têm de ser muito mais rígidas no controle do sistema."
(Os grifos são do autor)
Esta é a íntegra de um artigo de Cláudio Gradilone publicado na edição de 21 de março de 2012 da revista IstoÉ Dinheiro.
Esta é a postagem das exceções. O texto para sobre ele opinar não é uma noticia nem uma reportagem e sim um artigo, e a fonte é uma revista que raramente leio. E por não ter conseguido encurtar o texto do artigo sem prejudicá-lo, acabei produzindo mais uma exceção. Em vez de redigir uma postagem longa, optei por dividi-la em duas. Desta forma, esta postagem contém apenas o "lendo", ficando para a próxima a publicação do "opinando". Há situações em que um mínimo de criatividade ajuda bastante.

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