sábado, 25 de agosto de 2012

'Sou bom nisso. Digito sem olhar', diz analista

Jovens dizem ter habilidade e conhecer 'de cor e salteado' posição das letras no teclado
"Olha, eu sou bom nisso!" É assim que o analista de sistemas Felipe Callegaro Magalhães Pereira, de 24 anos, responde se troca mensagens com os amigos e dirige ao mesmo tempo. Você pode, então, imaginar que isso ocorre só quando ele está no semáforo? "Não, em movimento também. Na troca de marchas, controlando quem vem atrás, olhando se tem pedestre ou ciclista na via, avaliando se é preciso frear", diz, sem cerimônia.
Tanta confiança, segundo Felipe, deve-se aos seus seis anos de habilitação e ao fato de conhecer "de cor e salteado" a posição das letras no teclado. "Digito sem olhar." Ele garante também não ficar confuso com o fluxo de informações em sua cabeça. "Mas se é um assunto que exige mais, como trabalho, deixo para ver depois", admite.
O estudante de Publicidade e Propaganda Douglas Abreu, de 19 anos, que acaba de completar um ano de carta, é outro que tecla ao volante. No início, porém, mal digitava no farol vermelho. Mas foi só pegar mais confiança para deixar de resistir a ver o que tinha acabado de chegar - via torpedo, Facebook, Twitter, WhatsApp e BBM (chats do iPhone e BlackBerry), Gtalk (chat do Google) e até mesmo... e-mail, o avô das mensagens - e responder. "Em movimento, eu aperto uma tecla e olho para afrente, outra e olho para a frente."
Já Anaïs Boutaud, de 20 anos, que ainda não tem carta, reconhece que o smartphone virou algo essencial, "que faz a pessoa estar sempre online". Ela, porém, é reticente com a troca de mensagens na direção. "Sei que nos Estados Unidos muitos jovens morrem por isso." Quer dizer que não vai ter esse comportamento quando puder dirigir? "Eu não garanto."
Extensão do corpo. Autor de dois livros sobre a chamada geração Y, aqueles nascidos após 1980, Sidnei Oliveira diz que não é exclusividade dos mais jovens misturar celular e direção. "A diferença é que esse pessoal até 24 anos vem se preparando para ser multitarefa desde criança, vê a tecnologia como extensão do próprio corpo e tem excesso de confiança."
A designer Sandra Paduan, de 36, por exemplo, diz que escreve no trânsito unicamente quando para no semáforo ou congestionamento. "No tráfego é impossível, incompatível."
Um empresário de 30 anos que pediu para não ser identificado mudou hábitos depois de receber três multas na mesma semana por falar ao celular. "O trânsito de São Paulo é muito parado, era um jeito de aproveitar o tempo." Depois das autuações, diminuiu as conversas faladas - e aumentou as escritas.
Vício. O responsável pelo Núcleo de Dependência em Internet do Hospital das Clínicas, Cristiano Nabuco, diz que, em qualquer idade, estar conectado o tempo inteiro "gera uma sensação de pertencimento", que alimenta a vontade de se manter conectado. Ele prevê criar um núcleo só para viciados em smartphones no mês que vem.
E alternativas para o vício no trânsito começam a ser discutidas por especialistas. "Estou dirigindo, retorno depois", poderia ser uma mensagem para quem entra em contato. A opção "não perturbe", que a Apple deve lançar com o iOS 6, é outro passo nesse caminho."
Estes são mais alguns trechos da longa reportagem de Denize Guedes, publicada na edição de 8 de julho de 2012 do jornal O Estado de S.Paulo.
"Olha, eu sou bom nisso!" É assim que o analista de sistemas responde se troca mensagens com os amigos e dirige ao mesmo tempo. Um analista de sistemas desprovido de raciocínio sistêmico, pois se o tivesse associaria o seu modo de dirigir as trágicas estatísticas dos acidentes de trânsito. "Sei que nos Estados Unidos muitos jovens morrem por isso.", diz Anaïs Boutaud, de 20 anos, que ainda não tem carta, mas que reconhece que o smartphone virou algo essencial, "que faz a pessoa estar sempre online". Mas para os muitos jovens que morrem por isso (dirigir trocando mensagens) o que o smartphone faz é deixar a pessoa para sempre offline, pois os que morrem ficam definitivamente desconectados de todos esses fantásticos meios de comunicação eletrônica. Para eles, a única possibilidade de conexão passa a ser a comunicação mediúnica.
Estar sempre online! Para dizer o quê? Isto me faz lembrar um questionamento de Henry David Thoreau feito em 1854. "Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente." Tudo a ver com estar sempre online, não acham?
"Precisamos de novas formas de atividade que permitam a contemplação e a meditação. O ser humano precisa de uma porção de deserto, a fim de poder reencontrar-se a si mesmo", diz Viktor Frankl. E aí o que faz o tal do ser humano? Passa a dedicar 24 horas por dia (e algumas à noite) para tentar conectar-se com as demais pessoas do planeta. E, obviamente, fica sem tempo para reencontrar a si mesmo. E perdido de si mesmo ele passa a fazer parte de um imenso bando cujo modo de vida contribui para agravar tudo o que há de pior neste mundo: criminalidade, consumo e tráfico de drogas, corrupção, desemprego em massa, desigualdade e injustiça social, doenças, guerras, indiferença em relação aos menos favorecidos, insegurança, pobreza, pedofilia, violência... Enquanto estar sempre online for considerado algo essencial, jamais o ser humano reencontrará a si mesmo e, consequentemente, encontrará o que é verdadeiramente essencial, pois como diz Antoine de Saint-Exupéry, "o essencial é invisível aos olhos". E como encontrar o que é invisível aos olhos estando sempre online e com os olhos em minitelas de smartphones ou assemelhados? 
"Sou bom nisso. Digito sem olhar", diz analista de sistemas, de 24 anos. E sem pensar, acrescento eu que atuei como analista de sistemas durante 3,5 décadas.

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