quarta-feira, 28 de novembro de 2012

'Cidades de tendas' se espalham pelos EUA

Governo estima que haja 244 mil sem-teto morando nas ruas ou em tendas; vagas em abrigos diminuíram
"A menos de 80 km dos milionários apartamentos da Quinta Avenida em Nova York, um grupo de 90 desempregados mora em barracas compradas no Walmart, sem luz e água, fazendo xixi em penico e tomando banho em bacias, no meio de um bosque.
Lakewood, em Nova Jersey, é uma das cerca de cem 'tent cities' (cidades de tendas) que surgiram nos EUA desde o início da crise, em 2008. Muitos dos que vivem assim perderam as casas por não pagarem hipotecas ou ficaram na rua depois de serem demitidos e atrasar o aluguel. Nos EUA, tornaram-se o rosto mais visível do crescimento da desigualdade, um dos temas mais quentes da eleição de amanhã entre Barack Obama e Mitt Romney.
É gente como Marilyn e Michael Berenzweig, casal de NY que mora em Lakewood há dois anos e meio. Marilyn, 62, trabalhou 35 anos como designer têxtil e ganhava US$ 100 mil por ano. Perdeu o emprego em 2009. Casada há 42 anos com Michael, 63, foi morar com a filha no Queens. Depois de uma briga com ela, se viram na rua.
Sem dinheiro para aluguel - os dois ganham US$ 1.800 por mês de aposentadoria para pagar tudo, inclusive convênio médico, que sai mais de US$ 500 por pessoa - foram parar em Lakewood. Ela divide uma barraca com o marido, o gato e alguns dos passarinhos que trouxeram.
'É difícil se manter limpo por aqui, e essas galinhas andando por toda a parte não ajudam', disse Marilyn. Ela fez um buraco na terra para conservar a comida, já que não tem eletricidade. 'Gostamos de morar no mato, mas nunca imaginamos que fôssemos parar aqui.' O casal ainda mantém hábitos de sua vida passada. Marilyn continua lendo o 'New York Times' - mas só aos domingos. 'Depois uso o jornal para forrar a gaiola dos passarinhos, a qualidade do papel é ótima para isso.'
Ao mesmo tempo que a crise levou a um aumento no número de desempregados, as vagas em abrigos diminuíram, diz Eric Tars, do Centro Nacional de Direito em Pobreza e Falta de Moradia, que fez estudo sobre as 'tent cities' com a Universidade de Yale.
Obama implementou programas de ajuda aos sem-teto, mas governos estaduais e municipais cortaram o orçamento na crise. Segundo o Departamento de Habitação dos EUA, há hoje 243.701 sem-teto morando nas ruas ou barrcas, e 392.316 em abrigos. 'O número de pessoas na rua deve aumentar porque muitas estão dormindo no sofá de amigos e familiares e não vão poder ficar nessa situação por muito tempo', diz Tars. A situação econômica também não deve melhorar tão cedo. Hoje, existem 12,1 milhões de desempregados no país - mas gente como Marilyn nem entra na estatística, porque desistiu de procurar.
'Antes, a maioria dos sem-teto tinha problemas de alcoolismo ou drogas; agora, a maioria deles é simplesmente pobre que não consegue emprego', diz o pastor Steve Brighman, 52, o 'prefeito' de Lakewod. O local surgiu com um grupo de três mendigos há cerca de cinco anos. Com a crise de 2008, o número de pessoas aumentou muito. 'Hoje, recebemos três pessoas por semana', conta o pastor.'
Segundo o estudo de Yale, já há hoje 'tent cities' em 41 Estados - a maior parte na Flórida e na Califórnia.
'Este é o país mais rico do mundo e nós estamos vivendo aqui nesta favela, sem acesso a assistência médica. Alguma coisa está muito errada', diz Angela Spencer, 47, há dois meses no local. Ela trabalhou 22 anos na área de saúde, mas hoje vive de aposentadoria por invalidez."
Este é o país mais rico do mundo e estamos vivendo aqui nesta favela. Alguma coisa está muito errada (Angela Spencer, 47, moradora da 'tent city')
Estes são alguns trechos da reportagem de Patrícia Campos Mello (enviada especial a Lakewood), publicada na edição de 5 de novembro de 2012 do jornal Folha de S.Paulo.
"Este é o país mais rico do mundo e nós estamos vivendo aqui nesta favela, sem acesso a assistência médica. Alguma coisa está muito errada', diz Angela Spencer, 47, há dois meses no local. Ela trabalhou 22 anos na área de saúde, mas hoje vive de aposentadoria por invalidez."
Sim, alguma coisa está muito errada! E o país mais rico do mundo tem imensa contribuição para essa alguma coisa, pois é ele que arroga-se como sendo o que há de melhor na face da Terra, julga-se dono deste planeta, ou melhor, do Universo, e considera-se o modelo a ser imitado pelos demais países. Exagerei? Reflitam um pouco antes de responder, ok?
"Muitos dos que vivem assim perderam as casas por não pagarem hipotecas ou ficaram na rua depois de serem demitidos e atrasar o aluguel. Nos EUA, tornaram-se o rosto mais visível do crescimento da desigualdade, (...)."
Os moradores das cidades de tendas tornaram-se o rosto mais visível do crescimento da desigualdade. Visível porque ocorre nos EUA, pois a desigualdade existente fora desse país é invisível para ele. Um país que possui seis por cento da população mundial e consome quarenta por cento dos recursos naturais do mundo, no meu entender, não está nem aí para essa questão de desigualdade.
Sim, alguma coisa está muito errada! E a ideia de interpretar a vida como competição, e não como cooperação, leva um favoritismo extraordinário para ser essa alguma coisa.
"Marilyn, 62, trabalhou 35 anos como designer têxtil e ganhava US$ 100 mil por ano. Perdeu o emprego em 2009. (...) Angela Spencer, 47, há dois meses no local. Ela trabalhou 22 anos na área de saúde, mas hoje vive de aposentadoria por invalidez. (...) 'Antes, a maioria dos sem-teto tinha problemas de alcoolismo ou drogas; agora, a maioria deles é simplesmente pobre que não consegue emprego', diz o pastor Steve Brighman, 52, o 'prefeito' de Lakewood."
Agora a maioria deles é simplesmente pobre que não consegue emprego. Angela Spencer foi aposentada por invalidez. Marilyn perdeu o emprego em 2009. O motivo? No meu entender, invalidez. Seu trabalho deixou de ser válido para quem a empregava. Hoje, invalidez não se restringe à falta de condições de saúde. Ela inclui também a incapacidade de acompanhar o estupendo, e algumas vezes estúpido, desenvolvimento tecnológico. Gente que simplesmente não consegue emprego porque não atende a condição imprescindível para "merecer" viver em um mundo transformado em um imenso mercado: ser competitivo. Seja competitivo ou morra! Eis o lema desta insana sociedade competitiva em que sobrevivemos.  
"É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço me dá o direito de comer quando eu tenho fome. Por acaso eu estou sendo poupado (Se a minha sorte me deixa, estou perdido)." Sábias palavras de Bertolt Brecht em seu magnífico texto Aos que virão depois de nós. Se a minha sorte me deixa, se deixo de ser competitivo, estou perdido (para não usar uma palavra mais contundente).
"Cidades de tendas" se espalham pelos EUA (o país mais rico do mundo) recentemente. Há muito tempo se espalham por países que sempre foram pobres. Eventualmente se espalham por nações que já foram ricas. E nós que estamos achando que somos ricos, será que também estamos sujeitos a perder o que temos e ter que viver em uma cidade de tendas? Será que o Walmart terá barracas para atender a todos? Será? E aqui eu pego emprestadas algumas indagações de Renato Russo. Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer? Sei não! Por via das dúvidas, já separei algum dinheiro para comprar a minha barraca. Concordo com Otto Von Bismarck quando diz: "Os povos inteligentes aprendem da experiência alheia; os medíocres aprendem por sua própria experiência; os ineptos simplesmente não aprendem". Substituam povos por pessoas e aprendam de forma inteligente.

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