segunda-feira, 24 de junho de 2013

Governos devem cobrar caro pelo uso do carro

São Paulo tem que encontrar um jeito de tirar carros das ruas; seja com gasolina mais cara, com pedágio, com eliminação de vagas de estacionamentos ou com todas essas medidas juntas. Além disso, deve construir corredores de ônibus em todas as vias que ficam congestionadas e dar mais espaço para pedestres e ciclovias. Essa é a receita de Enrique Peñalosa, que foi prefeito de Bogotá entre 1998 e 2001 e que ajudou a recuperar várias áreas daquela cidade. A capital da Colômbia criou mais de 300 quilômetros de ciclovias, transformou sua cracolândia num megaparque e adotou o Transmilênio, sistema de ônibus rápidos parecido com o de Curitiba. Mas Peñalosa não acredita que Bogotá seja uma cidade modelo. "É uma cidade terrível, com problemas gravíssimos. Houve experimentos exitosos, mas ainda há muito a fazer", afirma. Ele esteve no Brasil para participar do Fronteiras do Pensamento, série de palestras que acontece em Porto Alegre e São Paulo. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha.
(...)
- Para onde iriam os carros?
- O primeiro artigo de todas as constituições democráticas, inclusive a brasileira, diz que todos são iguais perante a lei. Se isso é verdade, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço nas ruas que um carro com uma pessoa.
- As pessoas usam carros porque é mais confortável, dá liberdade e segurança.
- Os carros são maravilhosos para passear, para sair à noite. Mas se todos resolvem ir de carro ao trabalho, a cidade entra em colapso. Quando falamos de cidade sem carros, ou com poucos carros, não estamos falando da ilusão de um hippie louco. Estamos falando de cidades que já existem e que são as mais bem-sucedidas do mundo, como Nova York, Londres, Zurique. Em Paris, a maioria dos prédios no centro nem tem estacionamentos.
- O Brasil vai na contramão, com o governo federal incentivando a compra de carros e o  municipal exigindo garagem dos novos empreendimentos.
- Isso é um erro. Não defendo que as pessoas não tenham carro. Defendo que repensem como usá-los. Não devemos proibir o carro, mas dificultar sua utilização e facilitar a vida daqueles que queiram viver sem ele.
- Como fazer isso?
- Há várias maneiras. A mais fácil é a elevação do preço da gasolina. Outra é eliminar vagas nas ruas e cobrar mais nos estacionamentos. Há ainda pedágios urbanos, quando o motorista precisa pagar se quiser circular por determinadas áreas em determinados horários. O poder público deve cobrar bastante por esse uso e usar o dinheiro para subsidiar um sistema de transporte eficiente, rápido, confortável, com ar-condicionado. A exigência de garagens é outro equívoco. Em cidades mais avançadas, há um limite máximo de garagem, não mínimo.
- Como convencer as pessoas que tem alto poder aquisitivo a usar transporte público?
- A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público. Por que os ricos usam metrô ou ônibus em Manhattan, em Londres? Porque é a forma mais rápida e barata de ir de um lugar a outro. Há poucos lugares para estacionar em Nova York, e é muito caro. É assim que se convence.
- São Paulo terá um novo prefeito em 2013. Que conselhos daria a ele?
- Devemos pensar em cidades para os mais vulneráveis. Para as crianças, os idosos, os que se movimentam em cadeiras de rodas, para os mais pobres. Se a cidade for boa para eles, será também para os demais. Se o novo prefeito resolver acabar com áreas de estacionamento para ampliar calçadas e ciclovias, pode haver muita reclamação. Vão dizer: onde vamos estacionar? O prefeito, então, pode responder: isso não é responsabilidade minha, é um problema privado. Eu também não digo onde você guarda sua roupa. O estacionamento não é um direito adquirido.
- Até que ponto a infraestrutura urbana influencia na segurança dos cidadãos?
- A iluminação e a limpeza fazem com que as pessoas sintam que há autoridade. Pichação, sujeira, vendedores ilegais geram ambientes que são propícios para a insegurança e passam uma mensagem de um estado debilitado, o que estimula os delinquentes. Eu acredito que quando melhoramos as calçadas isso traz igualdade. Quem anda pelas calçadas são as pessoas que usam transporte público. As ciclovias funcionam como um símbolo de que uma pessoa que anda em uma bicicleta de US$ 30 é igual a alguém que está num carro de US$ 30 mil. Quando há mais igualdade, os cidadãos cumprem mais a lei.
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Vaguinaldo Marinheiro e Regiane Teixeira na qual é apresentada uma entrevista com Enrique Peñalosa, consultor nas áreas de trânsito e urbanismo e ex-prefeito da cidade de Bogotá, publicada na edição de 24 de junho de 2012 do jornal Folha de S.Paulo.
Quem prestou atenção à data de publicação da reportagem constatou que ela ocorreu, exatamente, há um ano. Então, por que motivo(s) resolvi opinar sobre ela agora? Por vários: por não tê-lo feito naquela época, por ela focalizar problemas que de lá para cá ficaram ainda mais graves e pela coincidência com algo que está ocorrendo agora. Afinal, um dos motivos das atuais manifestações é a insatisfação com o transporte público, não é mesmo? E é sobre a necessidade de estimular o uso transporte publico que fala o ex-prefeito da cidade de Bogotá. É da entrevista com Enrique Peñalosa a frase que originou outra semelhante que "bombou" nas redes sociais e foi usada em cartazes durante as recentes manifestações. Que frases são essas? A original: "A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público". A adaptada: "País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico anda de transporte público".
Ou seja, vivemos em um País desprovido de cidades avançadas e sem perspectivas de provimento, pois incentivar a compra de carros (conforme faz o governo) é algo simplesmente incompatível com o desenvolvimento de transporte público de qualidade. Aliás, em termos da compra de carros, o ideal é a piora do transporte público. Vocês percebem que um dos pretextos mais usados (talvez o mais) para a compra de carros é, exatamente, a má qualidade do transporte público.
O ex-prefeito de Bogotá esteve aqui (trazido não sei por quem), deu o seu recado, porém foi solenemente ignorado e, consequentemente, de lá para cá, no que se refere a transporte público (e também a outras coisas), neste País, as coisas só pioraram. Ou seja, se depender exclusivamente dos governos as coisas jamais melhorarão, em qualquer país. Felizmente, parece que uma significativa parcela da população conseguiu entender isto e o resultado foi o que se viu nas recentes manifestações de rua. Abandonando o "deitado eternamente em berço esplêndido" (berço que para a maioria nada tem de esplêndido) e partindo para o "verás que um filho teu não foge à luta" as manifestações talvez sejam capazes de acordar aqueles de sono mais profundo. E falar em acordar me faz lembrar o lema Ordem e Progresso. Por quê? Porque, dependendo de quantos conseguirem acordar, ele poderá passar a ser lembrado como Acordem e Progresso.

Nenhum comentário: