"Carlos Goldstein (1940-2013) formou-se pela tradicional Escola Paulista de Medicina, mas, ao contrário de muitos de seus colegas, nunca quis abrir um consultório particular. Negava-se a cobrar dos pacientes, pois achava que os serviços de medicina deviam ser gratuitos.Foram pelo menos 35 anos trabalhando como pediatra pela Prefeitura de Santo André e pelo Estado de São Paulo. Fazia questão de ouvir todos os problemas do paciente, mesmo que a consulta (e a fila de espera) demorasse. Era conhecido pelos trocadilhos e o característico humor judaico, ao estilo Woody Allen. Apesar de brincalhão, pensava todos os dias na trágica história de seus antepassados judeus. Seu pai e um tio fugiram da Polônia por causa do antissemitismo, mas o restante dos parentes morreu em campos de concentração. Seu nome era uma homenagem a Karl Marx, pois o pai fora do Partido Comunista.Aprendeu piano na infância, apenas ouvindo a irmã tocar. Queria ter sido músico, mas, por pressão da família, teve de ser "doutor". Optou pela pediatria para lidar mais com a vida do que com a morte. Era natural de Santos (SP), cidade que dizia ser "a mais linda do mundo". Muito gentil, não falava mal de ninguém nem se queixava da vida.Descobriu uma mielodisplasia (tipo de câncer de sangue) há um ano. Mesmo no hospital, não perdeu o bom humor. Numa sessão de quimioterapia, brincou tanto que os enfermeiros se esqueceram de fazer as aplicações. Fez o transplante no último dia 27, mas morreu no sábado (10), após complicações. Tinha 73 anos. Deixa a viúva, Norma, e as filhas, Ilana e Thaís."
Esta é a íntegra de uma reportagem de Andressa Taffarel, publicada na edição de 18 de
agosto de 2013 do jornal Folha de S.Paulo.
Para encerrar as postagens deste ano, escolhi uma reportagem que me tocou demais devido a singularidade de seu protagonista. É de seres humanos como Carlos Goldstein que carece este planeta onde a desumanidade cresce a olhos vistos. Em um mundo onde a medicina está nas mãos de planos de saúde pertencentes a instituições financeiras que visam apenas lucros financeiros, esse extraordinário médico trabalhou durante toda a sua vida no Serviço Público, pois achava que os serviços de medicina deviam ser gratuitos. Que estranho ser é esse?
Um ser que já chegou a este mundo sendo um pianista, pois quem aprende música apenas ouvindo alguém tocar, na verdade não aprendeu; somente relembrou o que já sabia. Um ser que já tendo sido músico em existências anteriores, apesar de querer voltar a sê-lo nesta, por pressão da família, aceitou ser "doutor", talvez por ter vislumbrado um modo de interagir com seus pacientes que lhe possibilitasse colocar melodia em suas vidas. Sim, quem faz questão de ouvir todos os problemas dos pacientes e ainda o faz com bom humor, no meu entender, está colocando melodia em suas vidas. A compaixão e o amor ao próximo produzem sons maravilhosos audíveis apenas pelos felizes recebedores de tais sentimentos.
Muito gentil, não falava mal de ninguém nem se queixava da vida. Ou seja, um espírito raro nesta dimensão, e que agora, em outra, deve estar prosseguindo em sua nobre tarefa de trabalhar em benefício do próximo. Bem, esta é a minha opinião. Ou vocês acham que este maravilhoso exemplo de ser humano simplesmente acabou, de uma vez por todas, no dia 10 de agosto de 2013?
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