Um neurocientista comprova, com base numa pesquisa, o que a filosofia já sabia: o ócio estimula o cérebro a ser mais criativo e inovador
- Em seu livro, a imagem
do piloto automático é usada para mostrar que o cérebro é mais ativo quando
descansamos. Por que isso ocorre?
- Estudos de
neurociência deixam claro que o cérebro possui algumas regiões que têm mais
atividade quando estão em repouso. Essas áreas formam um circuito chamado default
mode network (rede neural em modo padrão, numa tradução livre). Simplificando,
essa rede faria o papel do piloto automático do cérebro. Descobriu-se que a
energia consumida pelo cérebro muda pouco de acordo com as tarefas que
executamos. Tanto faz se você está resolvendo uma equação ou descansando. A
variação da energia cerebral é de 5%. Isso prova que o cérebro não desliga quando
descansamos, pelo contrário. Há conexões que só são possíveis no repouso,
cruciais para a saúde mental. O piloto automático se conecta a quase todas as
áreas cerebrais, inclusive ao subconsciente. Isso é bom, porque é possível
encontrar informações que ficam ocultas. O resultado é que, ao repousar, a
atividade cerebral proporciona insights inesperados e nos torna mais criativos.
- Dormir é uma maneira de
acionar o piloto automático mental?
- A atividade cerebral
durante o sono é um pouco diferente, e pesquisas mostram que o cérebro faz uma
limpeza quando dormimos. Mas a rede neural padrão é ativada em momentos de
ócio. O cérebro tem diversos níveis de atenção, e é necessário estimular essas
variações ficando sem fazer nada por algum tempo todos os dias. Quando você tem
uma rotina que oscila entre os extremos mentais de sono profundo e atenção, o
cérebro sofre. Se você levanta e vai direto para o trabalho e quando chega em
casa estimula ainda mais sua mente ficando em frente à TV ou ao computador,
prejudica os processos cognitivos.
- Há pessoas que ficam
ansiosas quando não fazem nada. Por quê?
- Há uma reação
cerebral nos momentos de ócio: o efeito negativo. Isso acontece porque o
subconsciente pode trazer à tona informações ou pensamentos que não são
prazerosos, o que causa desconforto. Outro ponto é o sentimento de culpa que
surge com o ócio. Estamos tão acostumados a nos encher de atividades que,
quando paramos, temos a sensação de que estamos perdendo algo ou de que não
estamos agindo como seria esperado. Também não estamos acostumados a acessar o
subconsciente e achamos estranho deixar a mente vagar sem um objetivo. Esses
fatores podem gerar estresse.
- Como mudar esse estado
mental de estresse e atenção constante?
- Mudando o modo como
trabalhamos. Concordo com alguns pensadores, como Keynes (John Maynard
Keynes, economista britânico), que dizem que deveríamos reduzir a jornada
de trabalho para 4 horas.
- Isso seria possível
mesmo com as empresas exigindo bons resultados e alta produtividade?
- Acredito que sim.
Mesmo trabalhando mais de 8 horas, só há, em média, 4 horas reais de
produtividade. Isso é plausível, tendo em vista o modo como o cérebro funciona:
existem ciclos naturais de atenção e desatenção. Meu ponto é que, trabalhando
menos, os profissionais teriam mais tempo livre para divagar e ser mais
criativos. E ter funcionários inovadores seria positivo para as
empresas. Mas, quando há tanta pressão pelo lucro, as empresas precisam
forçar os funcionários a ficar obcecados pelo trabalho para que sobrevivam no
mercado.
- Por que o ócio tem sido
renegado ao longo das décadas?
- Desde os gregos, há
a crença de que não fazer nada é ruim. A explicação é que ter tempo livre
estimula as pessoas a questionar. Além disso, minha impressão é que as pessoas
não querem ser ociosas porque têm medo de conhecer a si mesmas.
- Então o ócio é um
caminho para se conhecer melhor?
- Sim. Como a rede
neural padrão se conecta ao subconsciente, temos flashes de pensamentos
obscuros. Essas informações que aparecem só de vez em quando revelam quem somos
de verdade.
- É possível transformar
a sociedade da pressa na sociedade do ócio?
- É um longo caminho,
mas a ciência vai ajudar a lutar contra a cultura da pressa. Cada vez mais
surgirão provas de que o excesso de trabalho e de agitação é prejudicial à
saúde. Pense no que ocorreu com o cigarro. Há 50 anos, todos fumavam – e não
havia consciência sobre os males do tabaco. A medicina se desenvolveu e mostrou
que o cigarro é mortal. As evidências foram cruciais para que as pessoas e os
governos percebessem que fumar é uma péssima ideia. Consequentemente, o número
de fumantes caiu no decorrer das décadas e continua a diminuir. Minha esperança
é que, um dia, o mundo entenda que trabalhar demais é tão perigoso quanto
fumar.
Esta é a íntegra de uma entrevista com o
neurocientista e pesquisador da Universidade de Nova York Andrew Smart, publicada na edição de fevereiro de 2014 da
revista Você s/a, por Elisa Tozzi. Andrew Smart é autor do livro Auto-pilot: the Art and Science of Doing Nothing ("Piloto automático: a arte e a ciência de não fazer nada", numa tradução livre e sem edição no Brasil).
Na reportagem publicada na revista, a entrevista é precedida pela introdução apresentada abaixo.
Para ter uma vida mais equilibrada e feliz, é necessário diminuir a carga de trabalho e incluir momentos de ócio na rotina. A teoria de Domenico De Masi, sociólogo e autor de O Ócio Criativo (Editora Sextante), já está bem disseminada desde 1995, ano de lançamento de seu ensaio mais famoso. Agora parece haver a comprovação científica para a tese do italiano com o livro Auto-pilot: the Art and Science of Doing Nothing ("Piloto automático: a arte e a ciência de não fazer nada", numa tradução livre e sem edição no Brasil), de Andrew Smart,
neurocientista e pesquisador da Universidade de Nova York. A partir de estudos neurológicos, o autor mostra que fazer longas pausas é crucial para que o cérebro estabeleça conexões que podem levar ao autoconhecimento e à criatividade. Nesta entrevista a VOCÊ S/A, o cientista explica porque o ócio é tão importante para a saúde dos neurônios e mostra porque a divagação deveria ser estimulada dentro das empresas.
Considerando que a publicação da íntegra da reportagem foi suficiente para tornar longa esta postagem, optei por separar o lendo e o opinando. Sendo assim, esta postagem apresenta o lendo e a próxima apresentará o opinando, ok?
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