segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Escravos da moda. Quem se importa com a procedência?

O trabalho degradante deixa muita gente indignada, mas, na hora de comprar roupa nova, poucos se preocupam se a loja ou a marca tirou algum proveito dessa prática
A foto de um menino paquistanês costurando uma bola de futebol da Nike em 1996, nas páginas da extinta revista Life, causou indignação. No mesmo ano, o documentarista norte-americano Michael Moore filmou conversa com o presidente da multinacional, Phil Knight, para o documentário The Big One. "Você não tem problema de consciência? Sabe como vivem seus empregados na Indonésia?", questionou. O filme foi exibido em 1998, quando as condições degradantes de trabalhadores da companhia em países da Ásia já eram conhecidas e a marca tinha se tornado sinônimo de exploração.
No mesmo ano, ativistas dos direitos humanos aproveitaram o Mundial da França para denunciar o trabalho de crianças na produção de bolas e chuteiras. Com a ajuda da internet, consumidores de todo o mundo boicotaram produtos da marca, derrubaram executivos e ações nas bolsas. Para limpar a barra, a empresa passou a controlar as relações de trabalho nas subsidiárias e a investir em marketing.
No final de 1999, curiosamente, um dos principais garotos-propaganda da marca, o ex-jogador Ronaldo, foi nomeado embaixador do Programa da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), para ajudar a disseminar ações de combate às desigualdades. Mesmo assim, a companhia não conseguiu de desvencilhar da imagem negativa. O caso Nike é emblemático no mundo quando se trata de demonstração de força do consumidor.
No Brasil, é a Zara. Em 2011, a grife espanhola ganhou as manchetes não pelo sucesso da nova coleção de roupas caras, mas pelo trabalho análogo à escravidão flagrado por fiscais na cadeia produtiva. Em São Paulo, bolivianos ganhavam R$ 2 por peça produzida em oficinas de costura terceirizadas para a AHA, que por sua vez prestava serviços para a Zara no Brasil. Os executivos da empresa tentaram desfazer o vínculo. O episódio obteve destaque nas redes sociais e a marca foi alvo de protestos e boicote. "Por mais que eu gostasse de usar, cheguei a deixar de lado uma peça da marca que ganhei de presente. Em vez de status, a roupa passou a dar vergonha", diz a recepcionista paulistana Bruna Araújo, 17 anos.
(... ) "O consumo consciente requer educação e informação que nem todo brasileiro tem. Quando todos tiverem, vão cobrar e pressionar mais", afirma Dalberto Adulis, consultor de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu, associação que defende consumo consciente para a sustentabilidade.
A professora Silvia Cristina Gomes, 31 anos, e o namorado, o militar Paulo Henrique de Carvalho, 23, reclamam justamente disso. Eles contam que, muitas vezes, pensam no trabalho degradante na produção das roupas que usam, o que, porém, não faz diferença na hora de comprar. "Nunca me lembro disso nem deixei de comprar por essa razão. Compro conforme a promoção, o preço, o produto. Só depois, vou pensar no trabalho escravo", diz Silvia. "A gente vê a roupa na loja, no mostruário, mas não tem como saber a procedência", completa Paulo.
(...) "Acho muito triste essa situação; lojas tão grandes, marcas de grife, pagarem tão mal para o trabalhador", comenta a recepcionista Raimunda Silva, 59 anos, de São Paulo, que afirma nunca ter se arrependido das compras que faz, mesmo em lojas ligadas ao trabalho escravo. "No momento em que estou comprando, com tantos atrativos, nem raciocino."
A auxiliar de saúde bucal Maria do Carmo Conceição de Santana, 43 anos, vai além: "Sou meio desligada. E quando compro, estou envolvida com a escolha, não lembro de mais nada, mas acho que trabalho escravo deve ser fiscalizado pelo governo, não pela gente."
Estes são alguns trechos de uma reportagem que ocupa uma página, é assinada pela Rede Brasil Atual e foi publicada na edição de 21 a 27 de agosto de 2014 do jornal Brasil de Fato.
"No Brasil, é a Zara. Em 2011, a grife espanhola ganhou as manchetes não pelo sucesso da nova coleção de roupas caras, mas pelo trabalho análogo à escravidão flagrado por fiscais na cadeia produtiva.", diz o início do quarto parágrafo da reportagem. E em 25.08.2011, ganhou também, neste blog, uma postagem intitulada Escravos da moda. Ou seja, Escravos da moda é um assunto sobre o qual já opinei, mas ao ler uma nova reportagem sobre ele senti vontade de tornar a opinar, principalmente, sobre opiniões de pessoas entrevistadas nela citadas.
(...) "O consumo consciente requer educação e informação que nem todo brasileiro tem. Quando todos tiverem, vão cobrar e pressionar mais", é uma afirmação de Dalberto Adulis, consultor de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu, mas os grifos são meus. Ou seja, se acreditarmos em tal afirmação, consumo consciente é algo impossível, pois educação e informação são duas coisas que, pelo andar da carruagem, jamais todos terão.
"A recepcionista Raimunda Silva, 59 anos, afirma nunca ter se arrependido das compras que faz, mesmo em lojas ligadas ao trabalho escravo. "No momento em que estou comprando, com tantos atrativos, nem raciocino." Com tantos atrativos, nem raciocino, é uma confissão assustadora. Para uma espécie cuja diferença mais significativa em relação às demais é exatamente a capacidade de raciocinar, perder tal capacidade, simplesmente, por estar diante de tantos atrativos é algo assustador em uma civilização (sic) cujo estupendo desenvolvimento tecnológico, a cada dia, oferece uma quantidade maior de atrativos.
"A auxiliar de saúde bucal Maria do Carmo Conceição de Santana, 43 anos, vai além: 'Sou meio desligada. E quando compro, estou envolvida com a escolha, não lembro de mais nada, mas acho que trabalho escravo deve ser fiscalizado pelo governo, não pela gente. '". A confissão de Maria do Carmo reforça a de Raimunda da Silva e acrescenta uma coisa preocupante: "trabalho escravo deve ser fiscalizado pelo governo, não pela gente".
Por que é preocupante? Porque acabar com o trabalho escravo requer mais do que fiscalização. Concordo que fiscalizar seja responsabilidade do governo, mas uma vez descoberta e denunciada a prática de trabalho escravo o boicote feito pelos consumidores talvez seja a melhor forma de coibir tal prática. "O caso Nike é emblemático no mundo quando se trata de demonstração de força do consumidor.", é a afirmação final do terceiro parágrafo da reportagem.
"Demonstração de força do consumidor!" Sim, por mais incrível que possa parecer o consumidor tem força para agir e mudar qualquer coisa que se dispuser a mudar. É no se dispuser a mudar que mora o problema, pois para que tal aconteça, na maioria das vezes, falta-lhe um determinado tipo de força: a força de vontade. Força de vontade sem a qual, na hora da compra, é impossível alguém se importar com a procedência dos produtos que lhe são oferecidos. Escravos da moda. Quem se importa com a procedência?, é o título da reportagem. Temos resposta para tal pergunta? 

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