terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Como não ser escravo da notícia

Velocidade é o que importa? Não para Rob Orchard e os editores da Delayed Gratification, uma revista inglesa que pretende ser a última a cobrir os fatos
Em um jornalismo dominado por um fluxo incessante de informações, em que ser o primeiro a dar uma notícia – mais do que a qualidade – é o principal objetivo, o britânico Rob Orchard resolveu dar um passo para trás. Há quatro anos, fundou a revista Delayed Gratification, que segue o princípio do slow journalism: publicada apenas quatro vezes por ano, oferece reportagens sobre as principais notícias dos últimos três meses. (O título da revista significa "gratificação adiada", o ato de deixar um prazer para depois.)
"Há uma parede de informação imensa que chega até nós 24 horas por dia e é demais para nos mantermos por cima", afirma Orchard, que hoje é diretor editorial na The Slow Journalism Company, empresa que publica a Delayed Gratification. "Há muita necessidade de fazer curadoria de notícias – cortar todos os ruídos, absurdos e trivialidades que gastam tempo, trazendo aos leitores as histórias que importam." Para isso, a revista expande a cobertura de fatos marcantes, recupera histórias que foram esquecidas pelo público e tem orgulho de ser a "última a dar as notícias".
O termo slow journalism, claro, é inspirado nas outras correntes do slow movement – o slow food e o slow travel são os mais famosos. A semelhança entre essas propostas, seja cozinhar ou viajar, e o jornalismo da Delayed Gratification, explica Orchard, é a ideia de ter tempo, seja para produzir ou para ler algo de qualidade. A quantidade absurda de notícias na internet, por outro lado, "pode comer o seu tempo, deixá-lo ansioso e tornar muito mais difícil para você sentar e se concentrar".
Orchard é otimista em relação ao futuro do slow journalism como um movimento. "Quanto mais as pessoas se desiludirem com notícias inspiradas pelo Twitter, que dizem o que está acontecendo em vez de o que as coisas significam, mais publicações e organizações vão aparecer em torno dessa ideia", diz. "Será sempre um nicho, mas pode fornecer um antídoto útil e nutritivo para a atual configuração da mídia."
Esta é a íntegra de uma reportagem publicada na edição 240 da revista Trip (a revista não apresenta o mês de publicação) encontrada atualmente em bancas de jornais e em várias livrarias.
"Velocidade é o que importa?", eis a pergunta que inicia a reportagem selecionada para esta postagem. Pergunta que, de Rob Orchard, produtor de uma revista intitulada Delayed Gratification, recebe uma resposta negativa, mas que da imensa maioria dos integrantes desta desvairada civilização (sic) recebe uma resposta positiva. Sim, velocidade é o que importa para a citada maioria, e, em termos de comunicação, tal importância não é recente conforme pode ser constatado pelo que é dito a seguir.
"Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente." (os grifos são meus)
As palavras acima são de Henry David Thoreau, em 1854. Ou seja, há, pelo menos, 161 anos o objetivo principal já era falar depressa e não falar sensatamente. O tempo passou, o estupendo desenvolvimento tecnológico possibilitou e alcançar o objetivo de falar depressa é cada vez mais o que importa. Quanto à qualidade do que se fala é algo cada vez mais de somenos importância. Qualidade cujo resgate torna-se o objetivo principal de pessoas como Rob Orchard, "que hoje é diretor editorial na The Slow Journalism Company, empresa que publica a Delayed Gratification".
Em uma civilização na qual, para a imensa maioria, velocidade é o que importa, vejo como imprescindível a existência das várias correntes do slow movement. A reportagem apresentada nesta postagem cita o slow food, o slow travel e o slow journalism e em uma postagem publicada neste blog em 11.11.2011 com o título Ler sem pressa (I) foi citado o slow reading, movimento que prega a leitura com calma. E de slow em slow - sem afobação - outros podem ser facilmente percebidos como necessários para a melhoria da qualidade de vida desta insana sociedade na qual sobrevivemos. Afinal, se já existe o slow reading será que é difícil perceber a necessidade do slow writing? E a do slow speaking, nesta sociedade ansiosa por falar, embora na maior parte do tempo nada de importante tenha a dizer?
"Em uma ocasião social vejo minha sobrinha, então com uns dez aninhos, falando sem parar ao telefone. Vovós, titios, primos, todo mundo em sua volta e a menina agarrada em seu celularzinho. Lá pelas tantas deu uma paradinha e eu fui perguntar o que ela tanto tinha para falar ao telefone e a resposta me impressionou profundamente: 'sabe o que é tio é que eu tenho tantos minutos para falar que estão para expirar, então eu tenho que aproveitar senão eu perco'. Veja bem o que se passava na cabeça da criança (e deve passar também na de muitos adultos), mesmo não tendo nada para dizer eu vou ligar para as pessoas para não perder os minutos contratados."
O parágrafo acima foi extraído de um artigo intitulado Até quem se comunica se trumbica publicado na edição de janeiro de 2013 do tablóide Pôr do Sol, uma publicação mensal distribuída gratuitamente em lojas de produtos naturais e / ou esotéricos. O artigo é assinado por Eduardo Papa (Eduardo Paparguerius, professor, jornalista e artista plástico), e leva-me a lhes fazer a seguinte pergunta: algum de vocês já presenciou algo semelhante ao descrito por Papa? Algo que lembre a seguinte afirmação atribuída a Platão: "O sábio fala porque tem alguma coisa a dizer; o tolo, porque tem que dizer alguma coisa." Falar porque tem que dizer alguma coisa! Será que estamos caminhando para uma sociedade de tolos? Não, pois caminhar é slow e, considerando que velocidade é o que importa, nós estamos é voando para uma sociedade de tolos.
Inspirado em outras correntes do slow movement, Rob Orchard criou o slow journalism. E comparando a semelhança entre as propostas de todas as correntes, "ele explica que a ideia é de ter tempo, seja para produzir ou para ler algo de qualidade." "E otimista em relação ao futuro do slow journalism como um movimento, ele acredita que quanto mais as pessoas se desiludirem com a atual configuração da mídia, mais organizações aparecerão em torno de tal ideia." Rob Orchard é um otimista; eu sou um esperançoso.
Aos que desejarem saber a diferença que vejo entre um otimista e um esperançoso, sugiro a leitura da postagem Otimistas, pessimistas e esperançosos, publicada em 28 de fevereiro de 2014 no blog Espalhando ideias. Mas a todos sugiro reflexões sobre a última frase da reportagem quando Orchard se refere ao surgimento de mais publicações e organizações em torno da ideia do slow journalism: "Será sempre um nicho, mas pode fornecer um antídoto útil e nutritivo para a atual configuração da mídia." Frase na qual (no meu entender) a troca da palavra mídia por civilização torna-a aplicável a todo e qualquer slow, e não apenas ao slow journalism. E ao ampliar a abrangência da frase final tal mudança implica na possibilidade de uma mudança também no título da postagem: "Como não ser escravo do fascínio pela velocidade". Vocês acham que tais trocas fazem sentido?
Em tempo: vocês concordam que este blog pode ser considerado um exemplo de slow writing?

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