sábado, 11 de julho de 2015

Expostos na web desde a gravidez - Infância compartilhada à exaustão

Pais que postam demais sobre os filhos violam sua privacidade, alertam especialistas; as próprias crianças já pedem que eles não publiquem na rede tudo sobre seu cotidiano
"Qual é a graça de ir na casa da vovó no domingo e não ter nada novo para contar? Todo mundo já sabe que eu fui ao cinema, o que vi na mostra do CCBB e até o que fiz na escola porque você já postou tudo no Facebook, mãe!" Foi a partir desse puxão de orelha do filho Lucas, de 7 anos, que Anamaria Mendes passou a repensar o modo como compartilha informações na internet. De uma gracinha dita em casa às dúvidas da maternidade, ela postava tudo no blog "Universo Materno" e nas redes sociais.
Anamaria não está sozinha. Mais da metade das mães e um terço dos pais ouvidos na pesquisa "Parents on social media: Likes and dislikes of sharenting" ("Pais em mídias sociais: prós e contras do compartilhamento paterno", em tradução livre), da Universidade de Michigan, discutem nas redes sociais sobre a educação dos filhos. (...) Há, contudo um risco no modo como as pessoas estão compartilhando essas experiências. É o chamado oversharenting, a exposição parental exagerada, alerta a pediatra Sarah J. Clark, pesquisadora associada da Universidade de Michigan.
- Se você compartilha uma foto ou vídeo do seu filho pequeno fazendo algo ridículo, por achar engraçadinho, quando a criança tiver seus 11, 12 anos, pode se sentir constrangida. A autoconsciência vem com a idade.
(...) A pesquisa conduzida por Sarah ainda traz outro aspecto curioso: três quartos dos pais ouvidos reconhecem o comportamento exagerado de outros pais nas redes. E se preocupam quanto à exposição da privacidade e localização da criança (68%), bem como de sua imagem (67%). - Às vezes pensamos que nossos filhos são tão especiais que não percebemos que estamos compartilhando demais. É fácil apontar o oversharenting nos outros e não se autoavaliar - justifica a pesquisadora.
A superexposição traz preocupações também quanto à segurança. No ano passado, por exemplo, um criminoso em Santa Catarina admitiu à Polícia Civil que planejou o sequestro de um menino de 9 anos a partir de informações que os pais mostravam no Facebook.
O psicólogo Lucas Parisi, especializado em atendimento de famílias e crianças, cyberbulling e problemas advindos do uso abusivo da internet, observa que a formação das identidades digitais das crianças começa quando elas têm ainda poucos meses de vida: - A exibição da privacidade dos filhos começa a assumir uma característica de linha do tempo, e eles não participaram da aprovação ou recusa quanto à veiculação desses conteúdos. Assim, quando a criança cresce, sua privacidade pode já estar violada.
Foi o que aconteceu com Anamaria. Ela criou seu blog em 2007, quando ficou grávida de seu primeiro filho. No espaço, compartilhou o progresso da barriga com vídeos no YouTube, o nascimento e a rotina do filho.
- Minha ideia era apenas a troca de experiência com outras mães. Uma vez, uma mãe brasileira que morava na Europa reconheceu a mim e o Lucas na igreja. Ela disse que o que eu compartilhava tinha ajudado muito, já que estava sozinha em outro país. Esse reconhecimento, aos poucos, foi incomodando o Lucas. Quando íamos tirar fotos, ele perguntava se eu ia postar, pedia para avaliar ou se esquivava.
Por isso, há dois anos, Anamaria mudou de postura e tem respeitado a vontade do filho. - No mês passado, os dentinhos dele caíram e ele pediu para ninguém comentar na internet. Queria chegar na casa da avó no domingo e mostrar a novidade."
Esta é quase a íntegra de uma reportagem de Ana Clara Otoni, publicada na edição de 31 de maio de 2015 do jornal O Globo.
Considero estarrecedor o impulso dado pela tecnologia àquele que, no meu entender, constitui o maior dos movimentos em atividade neste planeta. Que movimento é esse? O MSN: Movimento dos Sem Noção.
"Três quartos dos pais ouvidos reconhecem o comportamento exagerado de outros pais nas redes.". Eis, na opinião da repórter Ana Clara Otoni, um aspecto curioso trazido pela pesquisa conduzida pela pediatra Sarah J. Clark, pesquisadora associada da Universidade de Michigan. Aspecto curioso que a pesquisadora justifica assim: "É fácil apontar o oversharenting nos outros e não se autoavaliar.". Apontar nos outros e não se autoavaliar! Mais do que um aspecto curioso, vejo em tal atitude um caso típico de falta de noção.
"Minha ideia era apenas a troca de experiência com outras mães.", diz Anamaria ao explicar porque resolvera "compartilhar o progresso da barriga com vídeos no YouTube, o nascimento e a rotina com o filho". E é no "apenas" que vejo evidenciada a falta de noção quanto a efeitos colaterais da "sua ideia".
"A autoconsciência vem com a idade.", é uma afirmação atribuída à pesquisadora para explicar possíveis constrangimentos sentidos por uma criança de 11, 12 anos diante de alguma exposição ao ridículo feita pelos pais quando ela era bem pequena. Exposição feita pelos pais por considerarem engraçadinho o que estava sendo exposto. Em outras palavras: exposição feita por integrantes do MSN. E em pleno uso de sua falta de noção, os pais são capazes até de colocar em risco a vida da criança, conforme exemplo citado na reportagem.
"Sim, "a autoconsciência vem com a idade", como afirma Sarah Clark. Mas que idade seria essa? A idade de Anamaria, a mãe, não é citada, mas a de Lucas sim: 7 anos. E dos dois qual lhes parece mais autoconsciente? O filho que, segundo a reportagem, incomodado pelo exaustivo compartilhamento de seu cotidiano, aos 5 anos já questionava a mãe se ela postaria a foto que dele estava tirando ou a mãe que já exibia o filho para o mundo desde a época em que ele ainda estava em seu ventre? Qual dos dois lhes parece mais autoconsciente?
Sim, "a autoconsciência vem com a idade", e, felizmente, pode vir também com a humildade para aprender até mesmo com alguém com muito menos idade. "Por isso, há dois anos, Anamaria mudou de postura e tem respeitado a vontade do filho.", diz Ana Clara Otoni no final de sua reportagem. Ou seja, será que a partir do questionamento do filho a mãe conseguirá deixar o MSN e ingressar no MCA: Movimento dos Com Autoconsciência? O que vocês acham?

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