quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Um só quarto, para aprender a compartilhar

Divisão é ótima para ensinar os pequenos a repartir, mas manter a individualidade é um desafio
A chegada de um filho é sempre motivo de alegria. De dois, então, mais ainda. Mas, felicidade à parte, existem questões práticas que precisam ser resolvidas. A acomodação de todos em um mesmo quarto é uma delas. Criar um lugar que, além de funcional, mantenha a individualidade é um desafio.
(...) As soluções muitas vezes se baseiam em camas-beliche e nichos individuais, que, com um toque de criatividade, podem ser reinventados e se tornar, por exemplo, um castelo de princesas.
(...) Apesar de a individualidade ser preservada em muitos projetos, vale lembrar que compartilhar um quarto é também uma excelente oportunidade de ensinar a criança a dividir. Esse, inclusive, foi o pedido dos pais de duas meninas para a designer de interiores Iara Santos, quando a chamaram para projetar o dormitório delas.
Estes são alguns trechos de uma reportagem publicada na edição de 11 de outubro de 2015 do jornal O Globo, no caderno intitulado Morar Bem.
"Ensinar a criança a dividir", eis "o pedido dos pais de duas meninas para a designer de interiores quando a chamaram para projetar o dormitório delas.". "Um só quarto, para aprender a compartilhar", eis o título da reportagem. Título que imediatamente me fez lembrar uma passagem de um livro do sociólogo e escritor americano Philip Slater (1927 – 2013) intitulado A Busca da Solidão – A Cultura Americana no Ponto de Ruptura. Passagem encontrada sob o título A Grande Ilusão e reproduzida a seguir. Os grifos são meus.
"Poderíamos apresentar inúmeros exemplos das diversas formas pelas quais os norte-americanos buscam minimizar, restringir ou negar a interdependência em que se baseia a vida de todas as sociedades humanas. Buscamos uma residência privada, meios privados de transporte, um jardim privado, uma lavanderia privada, lojas de auto-serviço e habilidades que possamos praticar isoladamente. Tudo indica que uma imensa massa tecnológica dedica-se à tarefa de isolar um indivíduo do outro no curso de suas atividades diárias.
No próprio meio familiar, os norte-americanos caracterizam-se pela ideia de que cada membro deve possuir um quarto separado e, sempre que economicamente possível, telefones, televisões e carros separados. Desejamos quantidades maiores de privacidade e, contudo, sentimo-nos alienados e solitários quando as conseguimos. E os contatos acidentais com que nos deparamos se nos afiguram como simples intromissão não apenas porque não os buscamos, mas igualmente porque tais contatos acham-se desvinculados de qualquer padrão familiar de interdependência."
Quando foi publicado o livro de Slater? Nos Estados Unidos em 1970; no Brasil em 1977. "(...) ideia de que cada membro da família deve possuir um quarto separado, eis o que caracterizava os norte-americanos no próprio meio familiar" há 46 anos. Caracterização completamente incompatível com uma lei universal: a "interdependência em que se baseia a vida de todas as sociedades humanas". Caracterização que, na condição de pretenso modelo para o "resto" do mundo, o país criador do AWOL (american way of life) exportou para famílias que possuem condições financeiras para adotá-la. Caracterização que, 46 anos depois, pelo que se vê no noticiário, ainda está em cartaz, mas que, felizmente, segundo a auspiciosa reportagem que provocou esta postagem, já está sendo combatida.
"Um só quarto, para aprender a compartilhar.", diz o título da reportagem. E quem sabe, após aprender a compartilhar um quarto, o nosso próximo passo talvez seja aprender a compartilhar um planeta. Até porque uma das coisas das quais a tal da espécie inteligente do universo dispõe de apenas uma unidade é um planeta. Pelo menos para uso imediato, pois a obtenção de um segundo planeta requer uma conquista nada fácil, não é mesmo? Um só planeta, para aprender a compartilhar. Será que foi com a intenção de proporcionar tal aprendizado que o criador do universo colocou a tal da espécie inteligente do universo em um único planeta, em vez de colocar cada um de seus integrantes em um planeta separado? O que vocês acham?

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