Dividir a casa deixou de ser coisa de estudante e virou tendência entre pessoas com mais de 30 anos, interessadas em economizar e compartilhar experiênciasCompartilhar o mesmo teto deixou de ser uma prática só de estudantes. Hoje, proliferam-se nas grandes cidades as chamadas repúblicas tardias, formadas por pessoas mais velhas – de vinte e tantos anos até cinquentões. Para dividir a casa, não precisa ser amigo nem ter o mesmo sangue. A maioria dos parceiros se conhece por meio de sites especializados (como o Moove In) e grupos de redes sociais que fazem a ponte entre os interessados.A publicitária Juliana Tonelli, 40, administra o "Dividir Apartamento SP", grupo no Facebook com mais de 49 mil membros. Ela sente um aumento recente no número de pessoas mais velhas procurando e oferecendo quartos na rede social.A maioria dos que decidem viver em residências coletivas é motivada pela possibilidade de dividir as contas, da luz à internet, e pelo alto valor dos aluguéis, proporcionalmente mais caros para imóveis de um quarto – o preço médio do aluguel de unidades de um dormitório em São Paulo é de R$ 2.900, quase o mesmo para apartamentos de dois quartos (R$ 3.076), de acordo com o portal VivaReal. Nos grupos de redes sociais, a demanda costuma ser maior do que a oferta.TENDÊNCIAÉ difícil precisar a quantidade de pessoas que dividem apartamentos no Brasil – o mercado não é regulamentado e contratos de aluguel não incluem essa categoria. Dados do Censo de 2010 do IBGE apontam que 0,7% dos domicílios são compostos por duas ou mais pessoas sem parentesco (em 2000, eram 0,3%).Para o arquiteto Guto Requena, as repúblicas tardias são tendência, e isso acontece não só pela economia – tanto de recursos quanto de dinheiro – mas também porque compartilhar está na moda. "É uma mudança de comportamento. As pessoas estão valorizando mais as trocas culturais", diz.Para o publicitário Felipe Pissardo, diretor da agência de pesquisa em comportamento e consumo Box 1824, há uma mudança de valores. "A ideia de estar fixo em um lugar não é mais atrativa. Hoje, as pessoas desejam mais ter mobilidade do que ter um bem", afirma. Esse é o caso de Juliana Tonelli.Mas Augusto Cesar Calçado, 52, analista de sistemas, tem outro motivo para dividir a casa. "Poderia morar sozinho, mas é ruim não ter ninguém com quem conversar, dar e receber conselhos". Ele mora com outras quatro pessoas, entre 24 e 49 anos, e não se incomoda com a diferença de idade. Pelo contrário: "Contribui para fortalecer os laços entre nós. É como se fosse uma família". Geraldo Barbosa, 49, que mora com Calçado, concorda: "Tentamos jantar juntos todas as noites e às vezes assistir a um filme na sala. O único problema é encontrar um filme que agrade a todos".Para não dar briga, segundo eles, cada um respeita o espaço do outro e há regras em relação à limpeza e à divisão da comida.
Estes são alguns trechos de uma reportagem de
Philippe Scerb publicada na edição de 3 de janeiro de 2016 do jornal Folha
de S.Paulo.
Um só quarto, para
aprender a compartilhar, eis o título da postagem anterior; República velha, eis o desta. Comparando os títulos, o que se
imagina é que as duas nada tenham a ver, mas se compararmos os conteúdos o que
se vê é que elas têm bastante afinidade. Afinidade que já poderia ser
encontrada entre os títulos se em vez de República
velha o título fosse Uma só casa,
para aprender a compartilhar.
Compartilhar, eis a palavra mágica!
Compartilhar que, segundo o arquiteto citado na reportagem, é algo que
"está na moda". Interessante, não? Considerando que a prática de compartilhar
é um fator imprescindível para a convivência harmoniosa entre qualquer grupo de
seres circunscritos em um espaço comum, impressiona-me que as pessoas interessem-se
pelo compartilhamento apenas pelo fato de ser algo que esteja na moda. Mas as
coisas que impressionam-me na reportagem não param por aí.
"Poderia morar sozinho, mas é ruim não
ter ninguém com quem conversar, dar e receber conselhos", diz um analista
de sistemas citado na reportagem. "É ruim não ter ninguém com quem
conversar"! Sim, é muito ruim, pois conversar é, simplesmente, uma
necessidade humana. Em 31 de maio de 2011, publiquei no blog Espalhando ideias uma postagem
intitulada A necessidade de conversar.
Postagem que, na minha suspeita opinião, vale muito a pena ser lida.
"O analista de sistemas compartilha a
casa com outras quatro pessoas, entre 24 e 49 anos, e não se incomoda com a
diferença de idade. Pelo contrário: 'Contribui para fortalecer os laços entre
nós. É como se fosse uma família'". E ao dizer que "é como se fosse
uma família", ele toca em outra necessidade humana equivocadamente não
percebida pela maioria dos integrantes da dita espécie inteligente do universo:
a necessidade de sentir-se parte de uma família. Em 27 de setembro de 2011, publiquei
no blog Espalhando ideias uma
postagem intitulada Alugam-se avós,filhos, netos ... (I). Dois dias depois publiquei Alugam-se avós, filhos, netos ... (final), e mais quatro dias
depois publiquei Reflexões provocadas por
"Alugam-se avós, filhos, netos..."
Um dos quatro que moram com o analista de
sistemas, diz concordar com ele e acrescenta: "Tentamos jantar juntos
todas as noites e às vezes assistir a um filme na sala. O único problema é
encontrar um filme que agrade a todos". Sim, fazer qualquer coisa juntos é
algo muito difícil nesta civilização caracterizada por um exacerbado
individualismo e onde compartilhar é algo que, como dito acima, ainda é feito
apenas por estar na moda, e não pelo entendimento de ser uma
imprescindibilidade para conviver de forma harmoniosa. O jeito é continuar tentando.
"Para não dar briga, segundo eles, cada
um respeita o espaço do outro e há regras em relação à limpeza e à divisão da
comida.", eis a afirmação final do texto da reportagem. Sim, "para não
dar briga" é preciso estabelecer regras, pois no estágio evolutivo moral em
que se encontra esta civilização (sic) as regras que possibilitem uma convivência
harmoniosa ainda não constituem algo intrínseco na maioria dos seres
inteligentes (sic) que dela fazem parte.
E para terminar, faço aqui um comentário sobre
a expressão "repúblicas tardias". Para quem já quis trocar o título República velha por Uma só casa, para aprender a compartilhar, a próxima troca seria substituir "repúblicas
tardias" por "percepções tardias". Por quê? Porque -
considerando apenas os depoimentos nela apresentados - enxergo na reportagem algumas
coisas que a tal da espécie inteligente do universo demora muito para perceber?
Que coisas são essas?
Perceber que é mais fácil enfrentar qualquer
dificuldade agindo coletivamente. Perceber que conversar é uma necessidade, e não
apenas falar. Perceber a necessidade de sentir-se como parte de uma família.
Percepções que já deveriam ter ocorrido para a maioria dos integrantes da espécie
citada no final do parágrafo anterior, mas que até o momento ocorreram apenas
para uma minoria. Faz sentido a expressão "percepções tardias"?
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