quarta-feira, 18 de maio de 2016

A filosofia de Sandel no caldeirão da ética brasileira

Professor de Harvard conhece o 'jeitinho' em debate na TV e dá a receita para o país tirar o melhor proveito ético da crise
Acostumado a enfrentar grandes palcos e audiências inquietas ao falar sobre ética, o filósofo americano Michael Sandel, professor da Universidade de Harvard, quase perdeu o fio da meada diante de tantas confissões no estúdio de TV. Uma convidada disse que subornaria um policial se precisasse seguir de carro com um parente até o hospital. Outra contou que comprara DVDs piratas para os filhos. Dedos se levantavam para admitir pequenos delitos. Por fim, o próprio apresentador do programa afirmou que não via problemas em avisar a um amigo sobre a presença da Lei Seca na rua.
Michael Sandel gravou para o Caldeirão do Huck na tarde de quinta-feira, no Rio, no mesmo instante em que o presidente interino, Michel Temer, fazia o discurso de posse em Brasília. Para receber um dos mais badalados filósofos contemporâneos, titular do famoso curso "Justiça", de Harvard, e capaz de fazer o público na Ásia pagar ágio para assisti-lo, Luciano Huck montou uma mesa redonda no estúdio I do Projac, com poucos convidados, fundo preto e clima de papo sério. Poupou-se das brincadeiras habituais. Buscava, no convidado estrangeiro, a resposta a uma pergunta do filho Joaquim, de 11 anos, que quis saber o que era ética.
(...) Ao topar a ida ao Caldeirão, onde repetiu o modelo de palestras levado mundo afora, no qual interage com o público o tempo todo, Sandel disse que o objetivo era debater os aspectos positivos do jeitinho - "criatividade, encontrando um caminho através da burocracia ou ajudando um dos amigos" – e os negativos - "tirar vantagem dos outros ou desrespeitar a lei". Ele percebeu que o brasileiro, em geral, lida com duas éticas: a pública, que não se importa em jogar lixo na rua ou comprar um produto ilegal, e a doméstica, na qual o mesmo cidadão faz questão de manter a casa limpa e reclama quando vê um corrupto exibido na tela da TV.
ESCOLHAS MOLDAM O CARÁTER
Convencido de que as escolhas éticas do dia a dia moldam o caráter dos cidadãos, o filósofo vê nos escândalos recentes que provocaram a mudança de comando no Brasil uma oportunidade de consolidação da democracia:
- Uma das maneiras de se aprofundar a democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas por meio de leis mais fortes que regem financiamento de campanha, algo que não conseguimos fazer nos EUA. A outra é incentivar os movimentos da sociedade no sentido de permitir que as pessoas se façam ouvir, dotando os cidadãos de competências que as decisões democráticas exigem.
Sandel também aposta no desenvolvimento de uma nova geração de líderes, "que não estejam contaminados pela associação com os partidos políticos desacreditados", e na busca de uma abordagem mais ética no debate das grandes questões, incluindo os valores. O filósofo defende ainda que a mídia mostre-se mais interessada no diálogo público sobre questões éticas e que o currículo escolar seja transformado para incluir a educação ética e cívica:
- Estas são algumas maneiras de se usar a crise para buscar um melhor tipo de política e um melhor tipo de cidadania democrática. (...)
A LIÇÃO APRENDIDA POR HUCK
Huck, que disse no programa não ver problemas éticos em alertar um amigo sobre a localização da blitz da Lei Seca, permitindo que ele busque um via alternativa, disse que convidou Sandel porque a TV aberta tem um enorme poder de influência que pode ser usado para o bem, permitindo que um filósofo faça o público refletir sobre o que é ética. Ele garante que, depois de ser pego na Lei Seca e pagar uma multa, nunca mais bebeu antes de dirigir:
- Temos que entender e ensinar aos nossos filhos os fundamentos da ética. Porque só conseguiremos ressignificar a palavra 'política' e corrigir os desvios de conduta no dia a dia se tivermos cidadãos mais conscientes de que pensar em todos é melhor do que pensar em si.
Um dia antes da gravação, Sandel havia participado de um debate com jovens no Complexo do alemão, promovido pelas ONGs Mapa e Instituto PDR. Um deles já havia sido preso. (...) Ele disse não ver problemas em popularizar o ensino da filosofia, pondo a disciplina em contato com as camadas mais populares, como fez na TV.
- Alguns dos meus colegas acadêmicos escrevem sobre filosofia de uma forma altamente abstrata, técnica. Há um papel importante para o trabalho acadêmico especializado deste tipo. Mas eu também acho que é importante conectar a filosofia com o mundo, para nos ajudar a refletir sobre os dilemas éticos que enfrentamos em nossas vidas diárias. Eu acho que há espaço para ambas as abordagens para a filosofia. Para mim, a filosofia não reside nas nuvens, mas na cidade, onde os cidadãos se reúnem.
"Temos que ensinar aos nossos filhos os fundamentos da ética. Só conseguiremos ressignificar a palavra 'política' e corrigir os desvios de conduta no dia a dia se tivermos cidadãos mais conscientes de que pensar em todos é melhor do que pensar em si"
O Caldeirão com Michael Sandel vai ao ar no dia 4 de junho.
Estes são alguns trechos de uma reportagem de Chico Otávio publicada na edição de 15 de maio de 2016 do jornal O Globo.
"Buscava, no convidado estrangeiro, a resposta a uma pergunta do filho Joaquim, de 11 anos, que quis saber o que era ética.", diz o jornalista Chico Otávio referindo-se a Luciano Huck. É auspicioso constatar que uma criança de 11 anos interesse-se em saber o que é ética; é lamentável que a resposta para sua pergunta precisasse vir de tão longe, e que não lhe pudesse ser dada por seu próprio pai! É animador ler que, na busca da resposta para o filho, Huck, conforme é dito na reportagem, tenha aprendido uma lição. Qual é a lição? "Que só conseguiremos ressignificar a palavra 'política' e corrigir os desvios de conduta no dia a dia se tivermos cidadãos mais conscientes de que pensar em todos é melhor do que pensar em si." "Pensar em todos é melhor do que pensar em si."! Para quem já foi multado por ter usado uma cerca de boias para criar uma praia pensando apenas em si, se tal lição tiver sido realmente aprendida, a mudança será algo bastante louvável. Porém, acreditar em tal mudança é algo bastante difícil diante do deplorável histórico do apresentador.
Alguém percebeu que na descrição apresentada imediatamente acima foi excluída a primeira frase de Huck? Qual é a frase? "Temos que ensinar aos nossos filhos os fundamentos da ética.". Por que fiz isso? Porque nessa história de "ensinar os fundamentos da ética", no caso de Luciano Huck e de seu filho Joaquim, o meu entendimento é que o mais correto seria aparecer uma frase de Joaquim dizendo: "Tenho que ensinar ao meu pai os fundamentos da ética.". Afinal, não foi movido pela busca de uma resposta a uma pergunta do filho que Huck descobriu o que é ética? Aliás, eis outra coisa cuja veracidade é difícil de acreditar. Comentando com algumas pessoas sobre esta reportagem ouvi algo mais ou menos assim: dizer que essa edição do programa foi motivada por uma pergunta do filho de Huck é mais uma história inventada pelos elaboradores do programa.
"Uma das maneiras de se aprofundar a democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas por meio de leis mais fortes que regem financiamento de campanha, algo que não conseguimos fazer nos EUA.", eis algumas atribuídas a Michael Sandel na reportagem de Chico Otávio. Os grifos que, no meu entender, as tornam preocupantes, são meus. Porque as vejo como preocupantes? Porque se naquele país, que se autodenomina um modelo de democracia, reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas é algo que não se conseguiu fazer, será que é neste, que em tudo procura imitá-lo (afinal é um país modelo!), que tal façanha será conseguida? O que vocês acham?
Realmente, como diz Joseph Klimber, "A vida é uma caixinha de surpresas"! Quem diria que algum dia eu faria divulgação do programa de Luciano Huck? Apesar dos questionamentos feitos sobre a veracidade de algumas coisas ditas na reportagem, estou propenso a assistir tal edição do programa, pois creio que assistir Michael Sandel seja algo que vale a pena, independentemente do lugar em que ele se apresente. O Caldeirão com Michael Sandel vai ao ar no dia 4 de junho.

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