sexta-feira, 8 de julho de 2016

Absurdos contemporâneos compõem tiras de Dahmer

Com acidez nos desenhos, autor da série 'Malvados' traça crítica tragicômica da sociedade cujos olhos estão colados no celular
O quadrinista André Dahmer, 41, deseja que, com o passar dos anos, seu novo livro perca completamente o sentido. Ele espera que suas filhas, Nira e Lola – cinco anos e seis meses, respectivamente -, quando adultas, vejam "Quadrinhos dos Anos 10" como o retrato de uma época tão distópica quanto distante. Carregadas na tinta do sarcasmo, as quase 300 tirinhas da coletânea da série publicada na Folha e em "O Globo" funcionam como crônica dos nossos dias e seus absurdos.
Um desses paradoxos é, segundo Dahmer, "a gente não sair mais à rua porque a rua é considerada um lugar perigoso, enquanto praças – que foram concebidas originalmente para o encontro de pessoas – não têm mais bancos. Tudo por causa da fobia de pobres, tudo para evitar que pobres durmam nos bancos."
Tais absurdos se mostram em personagens como o músico que faz de canções contra o sistema uma fonte inesgotável de dinheiro; o senhorzinho que compra um diploma do curso de ética; o homem que assassina, esquarteja e enterra um criminoso porque odeia criminosos.
"São marcas do nosso tempo", diz Dahmer, para quem o quadrinho funciona como crítica de costumes – e, na era da informação, isso passa pelo comportamento diante das telas de celulares, dos grupos de internet, dos comentários em redes sociais.
CONECTADOS E SOZINHOS
"As ciências humanas não acompanham a tecnologia e a cultura", afirma o artista. Desta forma, há na obra um pai que, no divã, reclama do vício em telefone do filho, enquanto o psicanalista olha a tela de um smartphone; pessoas coladas ao celular bradando "maconha vicia"; fezes que são a analogia à produção de conteúdo para internet.
"É uma era em que estamos interconectados e, ao mesmo tempo, sozinhos – a gente passa por uma solidão coletiva", diz Dahmer.
"São marcas do nosso tempo. A gente passa por uma solidão coletiva"
Também as relações de poder são tema do livro, que chega às livrarias no dia 25, mas que já está em pré-venda. Permeiam as páginas homens que querem evitar um holocausto ambiental desde que isso lhes gere lucro; um sujeito que sabe: nem Deus nem políticos acabarão com a miséria, mas sim o crack; o chefe que faz assédio moral com o funcionário porque ele faltou ao trabalho devido a um infarto causado por assédio moral do chefe.
"Uma vez o Jaguar me disse que tinha medo de o país dar certo, de ser consertado, pois ele perderia o humor de suas tirinhas. Eu não. Prefiro tranquilamente perder meu trabalho", diz o pai de Nira e Lola, na expectativa que, com o passar dos anos, seu livro perca o sentido.
Esta é a íntegra de uma reportagem publicada na edição de 14 de maio de 2016 do jornal Folha de S.Paulo.
"'Carregadas na tinta do sarcasmo, as tirinhas de André Dahmer funcionam como crônica dos nossos dias e seus absurdos', diz o repórter Rodolfo Viana. Absurdos que 'São marcas do nosso tempo', diz Dahmer, para quem o quadrinho funciona como crítica de costumes – e, na era da informação, isso passa pelo comportamento diante das telas."
Comportamento diante das telas! Comportamento de uma sociedade cujos olhos estão colados no celular, o que demonstra de forma inequívoca que, por mais carregadas que estejam na tinta do sarcasmo, a carga de tinta aplicada por Dahmer em suas tirinhas é bem menor do que a carga de absurdo aplicada pela espécie inteligente do universo em seu comportamento nos nossos dias.
"As ciências humanas não acompanham a tecnologia e a cultura", afirma o artista. E ao afirmar que a tecnologia supera as ciências humanas, o artista me faz lembrar o temor do cientista. "Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas", afirmou Albert Eisntein.
Uma geração de idiotas incapaz de perceber a era em que vivem. "Uma era em que estamos interconectados e, ao mesmo tempo, sozinhos – a gente passa por uma solidão coletiva", diz Dahmer. A gente passa por uma solidão coletiva, vivendo em uma era em que estamos interconectados em tempo integral! É ou não um absurdo? Sim, como diz o repórter Rodolfo Viana, as tirinhas de André Dahmer funcionam como crônicas dos nossos dias e seus absurdos. Dahmer é um quadrinista extraordinário!

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