segunda-feira, 15 de agosto de 2016

'É fundamental que as novelas façam refletir', diz estreante

Há três meses no ar em "Velho Chico" (Globo), Lee Taylor diz ainda não se sentir confortável em sua primeira experiência na televisão. O goiano de 32 anos é crítico em relação a seu desempenho, acha que poderia estar melhor e gostaria de ter mais tempo para decorar suas falas, o que não acontece. "Sei que poderia estar fazendo um trabalho melhor se tivesse mais experiência na TV e mais tempo", fala à coluna.
Com uma extensa carreira no teatro, tendo trabalhado durante anos ao lado de Antunes filho, Lee decidiu aceitar o convite do diretor Luiz Fernando Carvalho para estrear em novelas como Martim, filho que se rebela contra o autoritarismo do pai, o coronel Saruê (Antonio Fagundes), na história de Benedito Ruy Barbosa. A partir de 15 de agosto, Martim volta para casa e assume a fazenda da família.
- Porque aceitou fazer TV agora e o que te atraiu na novela?
- Achei um papel irrecusável e queria trabalhar com Luiz há muito tempo. Há dois níveis de discussão que se apresentam na novela e me interessam. Primeiro, o conflito das famílias, que tem uma influência shakespeariana. Me interessou tirar a discussão do nível prosaico nessa relação do pai com o filho e a complexidade que ela envolve. E segundo é a discussão sobre a terra, mostrar como o homem está encarando a relação com a natureza, a questão da sustentabilidade, de exploração do trabalho. São discussões pertinentes. Penso que por uma novela ser uma obra voltada para um público grande, é fundamental tratar de questões relevantes, que façam refletir.
- Tinha preconceito com a TV?
- Preconceito não, tenho um conceito, uma visão sobre as poucas coisas que vi na TV. Acho que justamente por ser concessão pública e ter alcance enorme, tudo colocado no ar deve ter responsabilidade grande, social, cultural absoluta. Então eu encaro assim. Não tenho o hábito de assistir, não posso analisar com critério o que se passa pela TV.
Esta é a íntegra de uma reportagem publicada na edição de 31 de julho de 2016 do jornal Folha de S.Paulo, em um espaço intitulado Outro Canal - Coluna de televisão, assinado por Lígia Mesquita.
Não sendo habitual espectador do programa Roda Viva, por um motivo que eu só saberia vinte dias depois, e que vocês saberão com o decorrer da postagem, assisti uma grande parte da edição de 11 de julho de 2016. Edição em que o entrevistado foi Aguinaldo Silva, escritor, roteirista, dramaturgo e novelista. E da parte que assisti, entre as perguntas que mais chamaram minha atenção está uma feita por Lígia Mesquita, repórter e colunista de televisão do jornal Folha de S.Paulo, autora, inclusive, da reportagem reproduzida acima. Qual foi a pergunta?
- Você não acha que a novela tem uma função social? A gente está vivendo uma época de tanta intolerância que não cabe avançar um pouco?
Pergunta que Aguinaldo Silva respondeu assim:
- Mas você tem que saber como avançar, entendeu? Por quê? Se você provoca rejeição, você provoca queda de audiência, você provoca o pavor dos anunciantes, você provoca a tensão na emissora. Você tem que pensar em tudo isso. Quando eu quero ser ousado eu escrevo meu livro, eu escrevo minha peça de teatro. A televisão não. Eu sou pago para escrever o que a televisão precisa botar no ar, é diferente.
O tempo passou, a resposta de Aguinaldo ficou gravada em minha mente, e vinte dias depois ela de lá foi resgatada quando, na edição de 31 de julho de 2016 da Folha de S.Paulo, nela deparei com o título da reportagem reproduzida acima: "É fundamental que as novelas façam refletir, diz estreante." Naquele momento, enxerguei o motivo pelo qual eu assistira aquela edição programa Roda Viva: estabelecer uma ligação entre a opinião do veterano novelista e a do ator estreante em novelas.
Sendo assim, vamos à referida ligação. "Penso que por uma novela ser uma obra voltada para um público grande, é fundamental tratar de questões relevantes, que façam refletir. (...) Acho que justamente por ser concessão pública e ter alcance enorme, tudo colocado no ar deve ter responsabilidade grande, social, cultural absoluta.", afirma Lee Taylor. "Eu sou pago para escrever o que a televisão precisa botar no ar", responde Aguinaldo Silva quando Lígia Mesquita lhe pergunta: "Você não acha que a novela tem uma função social?"
Vocês concordam que há uma contradição entre o que dizem Lee Taylor e Aguinaldo Silva? Enquanto o ator estreante em novelas "pensa que as novelas devem fazer refletir e ter responsabilidade social", pois, "justamente por ser concessão pública e ter alcance enorme, tudo colocado no ar deve ter responsabilidade social", o veterano novelista diz que "ele é pago para escrever o que a televisão precisa botar no ar". Em outras palavras: enquanto o ator acha que por ser concessão pública a televisão deve ter responsabilidade social, o novelista acha que a responsabilidade da televisão é comercial. É atender os interesses comerciais dos anunciantes e dos donos da emissora. Repito: Vocês concordam que há uma contradição entre o que dizem Lee e Aguinaldo?
E na resposta à pergunta da jornalista, o novelista diz também: "Quando eu quero ser ousado eu escrevo meu livro, eu escrevo minha peça de teatro.". Triste sociedade onde agir em prol de funções sociais é visto como ousadia! O mais sinistro é que, no meu entender, a opinião de Lee é a que faz sentido. Afinal, se algo que seja concessão pública não tiver função social, o que mais deverá ter?
E de indagação em indagação, aqui vão mais duas. Será que aos 32 anos (idade de Lee) Aguinaldo pensava como Lee? Será que, com o passar do tempo, Lee passará a pensar com Aguinaldo? Indagações que remetem-me à seguinte afirmação atribuída a Maiakovski. "Cada um, ao nascer, traz sua dose de amor. Mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração.". E as indagações não param! Será que "na dose de amor que cada um traz", está contida alguma dose de interesse em agir em prol de causas sociais? Será que vocês têm alguma indagação a acrescentar? Afinal, é de indagações pertinentes que surge o entendimento, e é do entendimento que pode surgir a disposição para colaborar na solução de um problema.
A referida edição do programa Roda Viva pode ser vista no endereço https://www.youtube.com/watch?v=BGwaJXz44DE e o trecho citado na postagem está no minuto 45.

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