Falta de tempo ou de dinheiro provoca mudança na tradição familiarSeparar um dia na agenda, comprar doces e salgados, preparar decoração, escolher um local para a festa. O chá de bebê é um evento esperado pelos futuros pais, mas, por falta de tempo ou dinheiro, nem todos estão conseguindo manter a tradição e acabam optando por fazer uma comemoração virtual. Semelhante ao que já ocorre em casamentos, os convidados podem escolher um produto para presentear o bebê, e a família receberá em dinheiro, mas sabendo que a celebração presencial pode não ser feita.A consultora de vendas online Beatrice Halada, de 25 anos, está grávida do primeiro filho e diz que, como tem amigos que moram fora de São Paulo, optou pela versão virtual para que eles possam presentear o bebê. "O pessoal do trabalho e da faculdade pergunta quando vai ser o chá de bebê. Tenho amigos no Sul e uma amiga que foi morar no Nordeste. Muita gente não conseguiria acompanhar, mesmo morando em São Paulo. Eu sempre prefiro escolher presentes pela internet, até porque trabalho com vendas online em uma concessionária. Isso já faz parte do meu dia a dia."Grávida de seis meses e meio, ela diz que a rotina pesada também é outro ponto que a fez decidir não promover uma festa tradicional. "Até pensei em fazer um chá no trabalho, um na faculdade e um com a família. Mas eu trabalho, tenho aulas à noite, fora o cansaço que sinto. Se fizer, será para a família e amigos muito próximos."A praticidade atraiu a família do professor Daniel Yoshikawa, de 36 anos, que usou a ferramenta para ajudar no chá de bebê da filha Catalina, que nasceu no dia 20 de setembro. "É mais fácil para organizar e mandar para as pessoas. Acabamos fazendo um presencial também, chamamos pessoas mais próximas, mas pudemos mandar para as pessoas que estavam fora e para as que não puderam comparecer."
Fundador da empresa Eu Neném, que atua com chás de bebê online há mais de um ano, Ricardo Basques diz que, inicialmente, a visão que as pessoas tinham é de que o evento online se tratava de um "crowdfunding da maternidade". "Mas não queremos trabalhar com esse conceito. Vimos que há famílias que não fazem o chá de bebê físico, que pode ter um custo muito grande."
Diretora de franquias da loja Tip Top, Dani Venâncio diz que a rede percebeu a necessidade de criar uma ferramenta para auxiliar as famílias na organização do chá de bebê online. "As mães de hoje estão no Facebook e no Instagram. É igual a uma lista de casamento. A família recebe em forma de crédito e tem até seis meses para usar."
Esta é a íntegra de uma reportagem de Paula
Felix publicada na edição de 13 de novembro de 2016 do jornal O Estado de S.
Paulo.
"Falta
de tempo ou de dinheiro provoca mudança na tradição familiar", diz
o subtítulo da reportagem. Subtítulo que, no meu entender, ficaria melhor
assim: "Falta de tempo ou de
dinheiro e sobra de tecnologia provocam mudança na tradição familiar". Afinal, para quem ainda consegue dispor
de algum tempo para refletir sobre a época em que sobrevivemos, creio que não
seja difícil entender que dentre os fatores responsáveis pela falta de tempo e
de dinheiro, a sobra de tecnologia talvez seja o mais atuante, e eu explico.
Ao possibilitar aos escravos, digo, aos
profissionais trabalharem 24 horas por dia, a tecnologia tira-lhes todo o tempo
de que dispunham. Em uma civilização que tem entre suas principais leis uma
intitulada lei da oferta e da procura,
ao possibilitar a substituição de seres
humanos por máquinas, na maioria das funções de produção, a tecnologia provoca um
desesperador grau de desemprego que leva os profissionais a aceitarem trabalhar
em troca de cada vez menos dinheiro. Ou seja, cada vez mais faltam tempo e
dinheiro, e sobra tecnologia. Será que é difícil enxergar que as faltas e a
sobra têm tudo a ver?
"Fundador da empresa Eu Neném, que atua com chás de bebê online há mais de um ano, Ricardo Basques diz que, inicialmente, a visão que as pessoas tinham é de que o evento online se tratava de um 'crowdfunding da maternidade'. 'Mas não queremos trabalhar com esse conceito. Vimos que há famílias que não fazem o chá de bebê físico, que pode ter um custo muito grande'."
Buscando (não exaustivamente) uma definição para
crowdfunding, a mais interessante que
encontrei é a seguinte: Crowdfunding (ou financiamento pela
multidão, em tradução literal) é uma modalidade de investimento onde várias
pessoas podem investir pequenas quantias de dinheiro no seu negócio, geralmente
via internet, a fim de dar vida à sua idéia.
Interpretando, à luz da definição acima, as
palavras do fundador da empresa que atua
com chás de bebê online há mais de um ano, discordo de sua opinião ao
considerar equivocada "a visão que as pessoas tinham, inicialmente, de que
o evento online se tratava de um 'crowdfunding da maternidade'."
Chá de bebê online é alternativa para mães. Falta de tempo
ou de dinheiro provoca mudanças na tradição familiar. Eis os preocupantes título e subtítulo da reportagem que provocou
esta postagem. Que outras alternativas online serão necessárias após
o nascimento do bebê? Que outras mudanças serão provocadas na tradição familiar
devido à falta de tempo ou de dinheiro, e à sobra de tecnologia?
E é ainda na linha do preocupante que enxergo
a resignação diante da propalada inevitabilidade de tudo na vida estar
submetido à tecnologia. "A quantidade ideal de tecnologia na vida de uma
pessoa é a mínima necessária.", eis uma afirmação da antropóloga digital
Amber Case que li em uma reportagem intitulada O desafio da tecnologia é ser útil e com a qual concordo
inteiramente.
E ao falar em concordar inteiramente, me vem à
mente a seguinte afirmação feita por Gunther Anders,
filósofo alemão, em 1957: "O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o
apocalipse.". Considerando o fascínio exercido pela tecnologia e o fato
de, hoje, equivocadamente, progresso e tecnologia serem considerados a mesma
coisa, entendo que a afirmação do filósofo pode ser reescrita assim: "O
fascínio pela tecnologia nos faz
cegos para o apocalipse."
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