Banir os carros enormes reduziria as emissões de gases e os acidentes
Cerca de 15 anos atrás, enquanto viajava por uma rodovia de oito pistas no Alabama, cercado por SUVs e caminhões, pensei: não vamos conseguir barrar as mudanças climáticas.No ano passado, os SUVs responderam por um recorde de 46% das vendas mundiais de automóveis, segundo a Agência Internacional de Energia. Se quisermos ser sérios sobre manter o planeta habitável, temos de regulamentar e tributar os carros enormes até chegar à sua eliminação. Livrar-se dos carros enormes tem a ver com reduzir as emissões de gases de efeito estufa e com diminuir os acidentes de trânsito.O número de SUVs em todo o mundo saltou quase sete vezes desde 2010, para cerca de 330 milhões. Dado que os SUVs consomem 20% de combustível a mais do que os carros de tamanho médio, hoje eles emitem três vezes mais carbono do que o Reino Unido. Os veículos de passageiros já respondem por cerca de 9% de todas as emissões do mundo. E a cada dia mais pessoas têm condições de arcar com a compra de um carro.Os SUVs movidos a gasolina ainda superam em muito a chamada grande novidade das ruas, os veículos elétricos. Mesmo os SUVs elétricos terão muito pouco impacto em termos de prevenção das perigosas mudanças climáticas porque exigem baterias descomunais, dados seu volume e sua relativa ineficiência. E fabricar uma bateria de carro consome tanta energia quanto fabricar o próprio carro elétrico.A segunda crítica contra os SUVs é que eles estão matando pessoas hoje. E são particularmente letais em sua terra de origem, os Estados Unidos, onde as mortes de pedestres cresceram entre 2010 e 2018. Enquanto isso, o número de mortes caiu em quase toda a Europa, onde os SUVs continuam a ser muito menos comuns.Por causa de seu peso e da visibilidade limitada que oferecem aos motoristas, os SUVs protegem seus ocupantes ao mesmo tempo em que põem em perigo todas as outras pessoas e de forma muito trágica as crianças, atropeladas nas saídas de garagem por pais que não conseguem enxergá-las.Os SUVs induzem a uma espécie de corrida armamentista: quando outros carros são enormes, as pessoas em carros pequenos se sentem inseguras e decidem ganhar volume também.Em suma, precisamos usar a legislação para eliminar os carros enormes, como o caminhão da série F da Ford, o veículo de passageiros mais vendido nos EUA por 41 anos seguidos. Afinal, nós proibimos outras substâncias perigosas, e às vezes nem tão perigosas, como a maconha.É verdade que eliminá-los via regulamentações seria uma restrição à liberdade. Mas, mesmo com carros menores, as pessoas ainda poderão dirigir para onde quiserem, com a mesma rapidez. (Tradução de Lilian Carmona)Esta é a íntegra de um artigo de Simon Kuper, do Financial Times, publicado na edição de 31 de março de 2023 do jornal Valor em seu suplemento intitulado "EU& Fim de Semana"."Se quisermos ser sérios sobre manter o planeta habitável, temos de regulamentar e tributar os carros enormes até chegar à sua eliminação. Livrar-se dos carros enormes tem a ver com reduzir as emissões de gases de efeito estufa e com diminuir os acidentes de trânsito.", diz Simon Kuper."Ser sérios sobre manter o planeta habitável", eis algo que não consta nas cogitações daqueles que possuem condições financeiras para comprar um SUV (Sport Utility Vehicle), ou seja, um veículo utilitário esportivo. Um veículo utilitário que, ironicamente, está incluído entre as coisas que muito contribuem para tornar este planeta inútil em termos de morada para os integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo."Mesmo os SUVs elétricos terão muito pouco impacto em termos de prevenção das perigosas mudanças climáticas porque exigem baterias descomunais, dados seu volume e sua relativa ineficiência. E fabricar uma bateria de carro consome tanta energia quanto fabricar o próprio carro elétrico."Consumir tanta energia para fabricar a bateria quanto para fabricar o próprio carro! É impressionante a desfaçatez com que são apregoados apenas os benefícios proporcionados por alguma grande novidade sem fazer qualquer menção aos malefícios por ela trazidos."SUVs protegem seus ocupantes ao mesmo tempo em que põem em perigo todas as outras pessoas e de forma muito trágica as crianças, atropeladas nas saídas de garagem por pais que não conseguem enxergá-las.""Proteger seus ocupantes ao mesmo tempo em que põe em perigo todas as outras pessoas". Será que o que essa afirmação descreve é algo proporcionado apenas por um SUV? Será que ela abrange também uma residência situada em um condomínio fechado à entrada dos "diferentes" daqueles que nele residem? Será que ela é aplicável também no que tange a colégios e a clubes particulares?Enfim, será que "Proteger seus ocupantes ao mesmo tempo em que põe em perigo todas as outras pessoas" é uma afirmação que pode ser enxergada como a descrição de um recôndito desejo de todo e qualquer indivíduo desprovido do senso de coletividade expresso em uma afirmação atribuída ao imperador filósofo Marco Aurélio: "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha"."(...) E de forma muito trágica as crianças, atropeladas nas saídas de garagem por pais que não conseguem enxergá-las."Matar pessoas por não conseguir enxergá-las, eis algo que enxergo como indo além das mortes de crianças por atropelamentos envolvendo SUVs. Matar pessoas pelo desinteresse em enxergá-las como seres que assim como nós têm direito à vida é, no meu entender, outra forma de matar pessoas por não conseguir enxergá-las. Vocês também entendem assim?"Os SUVs induzem a uma espécie de corrida armamentista: quando outros carros são enormes, as pessoas em carros pequenos se sentem inseguras e decidem ganhar volume também.""Induzir a uma espécie de corrida armamentista", eis mais uma afirmação bastante pertinente sobre os efeitos do aumento da quantidade de SUVs em todo o mundo. Até porque, considerando a quantidade de mortes causadas por acidentes envolvendo SUVs, considerá-lo uma arma é algo que, no meu entender, está repleto de sentido."Em suma, precisamos usar a legislação para eliminar os carros enormes, (...) É verdade que eliminá-los via regulamentações seria uma restrição à liberdade. Mas, mesmo com carros menores, as pessoas ainda poderão dirigir para onde quiserem, com a mesma rapidez.""É verdade que eliminá-los via regulamentações seria uma restrição à liberdade.", diz Simon Kuper. Mas a qual liberdade tal restrição atingiria? Não, não seria a de 'dirigir para onde as pessoas quiserem, com a mesma rapidez', pois isso é algo que pode, perfeitamente, continuar sendo feito, 'mesmo com carros menores'.Então, qual liberdade seria restringida? A liberdade de sair por aí libertos da "seriedade sobre manter o planeta habitável" (expressão usada por Kuper no segundo parágrafo de seu excelente artigo). Ou seja, a liberdade de sair por aí contribuindo para a eliminação da habitabilidade do planeta.Portanto, no meu entender, entre a "verdade que eliminar os carros enormes via regulamentação seria uma restrição à liberdade" e a verdade que não eliminá-los será uma restrição à liberdade de continuar vivendo neste planeta, por ele ter sido tornado inabitável, a escolha deve ser pela segunda verdade citada nesta frase."Em suma, precisamos usar a legislação para eliminar os carros enormes, (...) Afinal, nós proibimos outras substâncias perigosas, e às vezes nem tão perigosas, como a maconha.", diz Simon Kuper no penúltimo parágrafo de seu artigo."Em suma, precisamos usar a legislação para eliminar os carros enormes, (...) Afinal, será que faz algum sentido denominar restrição à liberdade a eliminação de algo cujo uso por uma parte da população produz efeitos comprovadamente maléficos para todo o planeta? - pergunto eu, encerrando esta postagem provocada pela leitura do instigante artigo de Simon Kuper.
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